Por Ney Anderson

Hoje o Angústia Criadora completa oficialmente 10 anos no ar. Um feito incrível, principalmente se levarmos em consideração todas as adversidades sobre leitura no país. As pesquisas mostram que o Brasil está muito distante de se tornar uma nação de leitores. Mas eu sempre preferi olhar pelo lado positivo das coisas. Acho que formar leitores dentro de um país continental é o grande potencial que temos nas mãos. Mas esse, claro, é um dos enormes desafios da formação de leitores de obras literárias. Sobretudo nos últimos tempos, quando a tecnologia passou a oferecer tudo e mais um pouco às pessoas, de forma ultrarrápida. É esse mesmo recurso, no entanto, que me auxilia a divulgar o conteúdo para gente do Brasil e do mundo.

Editar um site de literatura por dez anos sempre foi recheado por algumas dificuldades. No começo, para tentar fazer o meu texto chegar nas pessoas e, consequentemente, conseguir realizar com as resenhas a formação de um público leitor. Mesmo que esse “público” fosse apenas de uma única pessoa. Daí a opção inicial, que se mantém até hoje, de escrever em maior quantidade sobre os prosadores brasileiros contemporâneos, que estão circulando por aí entre nós, criando uma rica produção literária.

Mas conciliar a atualização das publicações com as minhas outras atividades profissionais, por exemplo, é algo que me deixa  (e sempre me deixou) na corda bamba, tentando encontrar tempo.  Além disso, o simples e importante fato de manter o site por tanto tempo no ar sem um único patrocínio financeiro, para uma dedicação ainda mais ativa e, não custa sonhar, exclusiva.

Mas eu volto para o começo da história e lembro as desconfianças do início, quando alguns autores, livreiros e editoras me olhavam com desdém, achando que eu queria mesmo ganhar por ganhar os livros. Não viam (ou não entendiam) o potencial do site, talvez não entendendo a minha boa vontade em “apenas” querer ler e escrever sobre determinado livro, sem aquele famoso “jabá” que muita gente faz por aí até hoje. Talvez por não entenderem que a comunicação estava mudando, saindo das páginas e ocupando as telas. Essas desconfianças foram sendo, pouco a pouco, derrubadas, quando o meu trabalho começou a ser reconhecido pela qualidade.

Esses só foram alguns desafios do percurso. Não cabe aqui, e nem é o meu objetivo, transformar esta data comemorativa em um ato de penúria. Nada disso. É justamente o contrário. Escrevo para mostrar que o caminho, por mais lindo que possa parecer, é acidentando e cheios de curvas. Não é fácil expressar a importância e relevância de um trabalho no começo, ainda mais quando se fala em crítica literária, um campo tão minado por egos inflados. Por isso eu sempre percebi esses desafios como estímulos e tratei de alicerçar a minha base, transformando as dificuldades em conquistas, seguindo sem me deixar abater, por acreditar no que estava fazendo e do papel que passei a exercer a partir do dia 10 de maio de 2011.

Eu não tinha, é bem verdade, a pretensão de utilizar o site como uma ponte vaidosa entre mim e algo que eu não sabia direito o que era. Apenas criei o Angústia Criadora para escrever sobre os livros que eu lia, exercitando uma área dentro do jornalismo por conta de algo que eu amava, já que os jornais tradicionais do Recife (e do Brasil) estavam com espaços reduzidíssimos para a literatura. Hoje é praticamente inexistente. Então, a internet foi a minha alternativa, aliada e salvadora. Aos poucos, no entanto, o meu nome passou a ser ligado ao site, quase como um sobrenome: “Ney, do Angústia Criadora”, que puxou outros derivados. O Ney que fala no programa de rádios sobre os lançamentos, também na TV, nos jornais, nas redes sociais e onde quer que seja para indicar um parágrafo, um conto, um livro, enfim.  O livro, enfim, virou uma extensão da minha vida.

Ainda naquele primeiro ano, em 2011, comecei a ter contato com editoras e escritores, passei a frequentar com mais frequência os eventos literários do Recife, na ânsia de conseguir material para publicar. No começo até o título do site soou estranho. Estranho não. Diferente. Porque não era declaradamente um portal de notícias. Eu não queria algo assim. A ideia era ser um espaço “literário” mesmo, de análise da ficção. Portanto, sempre o achei atraente justamente por carregar algo do próprio conceito da criação literária, quase um título de um livro.  E surgiu através da ideia de uma das mentes mais brilhantes da literatura nacional: Raimundo Carrero. Foi dele quem eu primeiro ouvi a expressão da angústia que o criador passa no momento da escrita. Não a angústia do papel em branco, que existe e é legítima, mas a angústia de criar a ficção, os personagens, as cenas, os diálogos etc. A angústia criadora como ela é, com os milhares de variantes, formas, ideias e conceitos que um texto pode ter.

No meu caso eu somo a angústia de saber que o tempo escorre pelas mãos e não dá para ler todos os livros que eu gostaria. A angústia, afinal, de ser mortal. É essa angústia, no entanto, que me move.  Sobretudo por amar os livros incondicionalmente, em qualquer momento da vida, e carregar essa ideia como algo transformador. Como eu fui transformado, sinceramente, percorrendo um caminho que o livro foi abrindo, tendo o site como plataforma de compartilhamento de ideias, o elo entre o livro e o leitor, seja ele de onde for.

Só quem lê com tanta devoção é capaz de entender o poder que a literatura tem.  Então, angústia criadora, para mim, nunca foi expressão de tristeza como poderiam supor. Pois é ela a responsável por me dar alegria enquanto jornalista cultural, escritor e cidadão. O site foi e é a minha grande vitrine. O meu cartão de visitas.

Eu edito e produzo sozinho durante todo esse tempo (salvo algumas raríssimas exceções de parceria). Sigo na resistência. Escrever sobre literatura na internet tem muitas vantagens. Uma delas é não ter limite de tamanho para aprofundar o pensamento (como este artigo, por exemplo). Outra é que não existe o limite geográfico. O site, inclusive, já foi acessado em vários países, de quase todos os continentes. A principal vantagem é essa, poder oferecer o conteúdo para pessoas de diversas partes do mundo.

O ganho principal que eu adquiri com a experiência sendo crítico literário foi saber conduzir com alguma familiaridade o percurso do texto que serve como aliado da obra analisada, mesmo que eu critique de forma negativa. Embora eu sempre tenha optado por usar o tempo escasso, que eu citei lá em cima, para indicar boas experiências de leitura e não o contrário, ainda que de forma muito pessoal. Isso eu faço sendo um leitor inquieto, sempre anotando frases durante a leitura, observações, ideias, que irão me servir para o texto crítico. O site me possibilitou (e possibilita) conhecer várias vozes da literatura e, dessa forma, visitar bairros, cidades e países por meio dos personagens e histórias. Eu tento fazer com o que o meu trabalho de crítico seja uma extensão da experiência da leitura de determinado livro.

Ler de forma crítica, analisando tecnicamente cada livro, me ajuda também na compreensão geral de como determinado autor montou a história, entendendo os anseios dele em relação ao que está sendo contado. Como encaixar uma cena, um diálogo, o pensamento do personagem para situações específicas, o ambiente etc. Ou seja, o artesanato literário.

Não me interessa fazer crítica para me colocar no pedestal de intelectual pedante ou escrevendo de forma inelegível para a maioria das pessoas, no intuito de alimentar um ego vazio que não leva a nada. Gosto de ser muito mais simples, optando por um conteúdo que se lê com facilidade e alegria, quase como um bom conto. Porque o que eu quero é estender o trabalho do autor, e não tentar fazer da resenha maior do que a obra. Sendo mais sucinto. A crítica literária tem que aproximar o leitor do livro. E não afastá-lo.

Uma vez me perguntaram: “Jornalista, escritor, editor e crítico literário. Quem é Ney Anderson?”. Respondi que sou tudo isso e mais um pouco. Um inquieto por natureza. Sempre procurando maneiras variadas de apresentar conteúdos interessantes aos leitores. Seja um conto, crítica literária ou texto jornalístico. Com o objetivo central em conectar livros e pessoas, como está no subtítulo do Angústia Criadora. O meu desejo desde sempre foi fazer do site um espaço de incentivo à leitura.

A partir desses 10 anos, que eu entendo ser de consolidação do meu trabalho, mas também de renovação, quero começar a trilhar um caminho ainda mais vasto. Tenho um sonho de poder percorrer todos os estados brasileiros e conhecer, in loco, a produção literária de cada lugar, dos escritores que não têm espaço na mídia, e divulgá-los aqui no site. E também expandir a experiência com a produção literária da América Latina. Tudo isso faz parte do pacote dos sonhos e desejos.

Para além dessas vontades, pretendo continuar escrevendo, produzindo, resistindo, lutando e tendo fé nessa Deusa chamada Literatura.  Sem fé é impossível ter coragem para seguir. Foi essa devoção que me trouxe até aqui.

2 thoughts on “10 anos de crítica literária: é preciso fé para ter coragem”
  1. Seu trabalho tem importância de peso para a literatura, não só para autores da terra, como também alcança a produção nacional. Sei de todas as adversidades que impactam neste projeto, por isso deixo aqui meus parabéns com os votos de muitos anos de vida, para nosso bem.

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