Crédito da foto: Renato Parada

Por Ney Anderson

Não é de hoje que a literatura antevê catástrofes, pandemias, guerras e um sem fim de situações que muitos julgam ser por pura coincidência. A sensibilidade do artista, no entanto, é capaz de alcançar níveis altos de “premonição”, justamente por ele estar sempre com as antenas ligadas no que acontece ao seu redor. Mas não é de hoje também que a questão indígena vem sendo debatida no Brasil. Quase sempre o assunto trata das agressões que os índios sofrem constantemente sobre o direito que eles têm sobre a terra onde sempre viveram. A literatura, claro, não poderia ficar de fora discussão.

A Morte e o Meteoro, de Joca Reiners Terron, lançado em 2019 pela Todavia, eleva o tema com uma história onde a Amazônia acabou (hoje ela está literalmente pegando fogo, diga-se) e os cinquenta índios da etnia Kaajapukugi, os únicos no mundo, perderam o seu lugar e estão prestes a desaparecer. Cabe ao indigenista Boaventura conduzí-los para um santuário no México, na condição de refugiados políticos. Mas esse homem acaba morrendo e o plano tem que ser resolvido por um funcionário da Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas, no México, que é o narrador da obra.

Nesta trama rápida, de apenas 116 páginas, vamos acompanhando todo o desenrolar da curiosidade antropológica de Boaventura, que é membro da Fundação Nacional do Índio no Brasil, em descobrir esses índios isolados na floresta. E, após encontrá-los, acompanhamos como é a vida deles, seus costumes, tradições e práticas de vida e de respeito à terra.

O estranho, o incomum, o insólito, sempre foram matéria-prima na literatura de Joca Reiners Terron. Mas a escolha por este caminho não se resume apenas ao estilo do texto ou na história que está sendo contada. Mas na junção das duas coisas, com o tom crítico mordaz que ele impõe na sua ficção. Em A morte e o meteoro esse recurso é ainda mais forte. Em paralelo ao primeiro fato, da transferência dos índios, o leitor acompanha os preparativos de uma missão espacial que pretende povoar outro planeta. Não por acaso, como o leitor entenderá.

A linguagem que dá conta da atmosfera onírica do relato, mas sem perder de vista a brutalidade do fato narrado, é feita com a intenção de criar imagens, ao mesmo tempo, belas e aterradoras. Principalmente sobre o que acontece quando o respeito à terra deixa de acontecer.

A morte e o meteoro nos deixa espantado, porque mesmo em se tratando de um ótimo trabalho literário, é a realidade que emerge das linhas do autor, através do seu narrador, que causa impacto e amedronta. É sobre a triste realidade de um povo que está fadado ao extermínio. Mas não apenas ele.  Na trama, não existe redenção para a humanidade. Assim como vários animais já extintos, no romance de Joca, estamos todos fadados ao fim.

“Por muitos anos, Boaventura foi o modelo a ser seguido no tratamento dos povos isolados. Dele, sabia-se apenas que nunca obteve estudos formais, o que talvez tenha resultado em sua produção quase nula de estudos etnográficos, e de sua coragem em campo. A certa altura da vida ele se isolou no Alto Purus, de forma parecida com os índios que defendia, tornando-se o símbolo de um mundo que era destruído velozmente, em parte devido à extinção das novas demarcações de reservas indígenas e do cancelamento das antigas. O conflito continental da aliança entre Brasil e Colômbia contra a Venezuela só agravou a situação. Aos poucos, deixaram de aparecer histórias quase fantasiosas de seu combate aos invasores das terras kaajapukugi, o que chegou a ser confundido com algo positivo. Afinal, se não apareciam mais manchetes catastróficas sobre genocídios indígenas nos jornais, talvez os kaajapukugi continuassem vivos, e Boaventura devia seguir flutuando em seu barco no horizonte fluvial, quase misturado à paisagem amazônica que o projetou para a fama”.

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