Por Ney Anderson

 O romance Tony e Susan (Editora Intrínseca, 336 pgs. R$ 39,90) do escritor americano Austin Wright (1922-2003), nos apresenta a vida de Edward Sheffield e Susan Morrow, um relacionamento terminado há vinte e cinco anos por causa de uma traição entre vizinhos. Seria reducionista, e é, escrever um livro com ingredientes tão utilizados na literatura. Lógico que um Ph.D em literatura (o que também não legitima escrever bem), não iria cometer um pecado desse tipo, falar de traição pura e simplesmente. Aqui, Wright, criou um livro dentro do livro para mostrar que tudo o que vemos é muito mais que conseguimos enxergar na superfície artificial de vários relacionamentos.

O romance começa com Susan recebendo o manuscrito “Animais Noturnos” do ex-marido Edward Sheffield, que há tempos não tinha contato. Edward que abandou uma carreira acadêmica para se dedicar à ficção e que desde o início não teve o apoio da esposa. A trama de “Animais Noturnos” gira em torno de Tony Hastings,um professor de universitário, que viaja com a família de férias para uma casa na praia, quando é parado na estrada por três homens que seqüestram, estupram e matam sua esposa e filha. Um enredo rápido e digno dos grandes suspenses americanos.


Mas o livro também mostra o lado do leitor (Susan), com toda a rotina sufocante de leitura, fazendo uma crítica da sociedade atual, que não pode parar um único momento para ler um texto de ficção sem ser incomodada. Faz-nos pensar também que estamos presos, não só por causa da falta de tempo, mas, sobretudo por livros que não nos passam o mínimo prazer. Nesse “Tony e Susan” o principal ponto questionador é sobre a leitura prazerosa aliada ao texto bem escrito.


Percebe-se nesse livro uma crítica ácida aos escritores de entretenimento, que não estão muito preocupados com a forma do que estão fazendo. Aqui Susan reflete sobre o texto que lê, de como se deve ou não escrever determinada cena ou cenário; tomando cuidado com o que dizer; não entregando demais para não estragar o andamento etc. Uma metáfora da leitura nos dias atuais,afirmando que todas as dificuldades para a dedicação a um livro, podem ser resolvidas quando se têm em mãos obras bem trabalhadas na forma literária e que não soam cansativas tentando exibir uma falsa e chata erudição. Um antagonismo da literatura feita para milhares de pessoas (best-seller), com a elaborada na mais alta sofisticação, mostrando que isso é exatamente possível, não fazendo do exercício da escrita algo fechado para poucos “entendidos” do que é ou não literatura.


O livro se entrelaça com a vida de Susan, Edward e o protagonista de Animais Noturnos, Tony, revelando aspectos nunca percebidos (ou que não quiseram ser) da vida do casal. Algo que deixa Susan bastante confusa entre o que pode ser “real” no livro ou “ficção” na vida dos dois. O romance é intercalado com pensamentos de Susan sobre a vida de casada com Edward, tentando fazer contrapontos com o que ela se lembra dele, com aspectos inseridos no livro do ex-marido. “Tony E Susan” é uma grande alegoria da vida a dois, e de certo modo uma “vingança” de Edward, por uma Susan que não enxergava a qualidade (ou futura qualidade) de sua escrita e das pequenas coisas que rondavam o relacionamento deles.


“Tony e Susan” faz mudar a percepção da própria vida dos protagonistas, mostrando como a ficção pode ser (deve ser) cheia de significados, e que esses significados se misturam com a imaginação, fazendo paralelos com o dia a dia das pessoas.

 

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