Por Ney Anderson

A estranheza já começa pela capa. Seguida pelo curioso título: A tristeza extraordinária do Leopardo-Das-Neves (Editora Cia das Letras, 176 páginas, R$ 36). Joca Reiners Terron é um dos nomes interessantes da atual prosa brasileira. Um escritor que sempre se arrisca em projetos diferentes um do outro. Nesse novo romance, oitavo da carreira, ele conseguiu criar uma atmosfera, de fato, sombria, para poder ambientar a história que queria contar. Fica claro a influência de autores que criaram e desenvolveram esse estilo literário, como Poe e Lovecraft, mas as semelhanças ficam apenas na ideia de mistério.

O leitor sabe desde o início que todo o livro acontece sob a ótica de uma investigação, por conta de um incidente no passeio noturno no zoológico Nocturama. A trama é tão bem construída que não conseguimos, até o meio do romance, saber do que se trata. Portanto tudo acontece de trás para frente. Duas histórias paralelas são contadas. Uma é sobre a vida do escrivão encarregado do caso, que se divide entre a rotina profissional e a doméstica. Ele é o responsável pelo pai judeu, dono de uma mercearia, que está com sinais de demência.

O escrivão sofre de insônia, é um ser noturno, como quase todos os personagens do livro. A outra história é sobre um personagem denominado apenas de Criatura, de estatura baixa, que se veste de maneira peculiar. Ela não pode receber a luz do sol, por conta de feridas no corpo. A Criatura vive em um casarão centenário, recebendo os cuidados da enfermeira Senhora X, que para distraí-la lê toda a noite uma enciclopédia sobre a lenda do leopardo-das-neves, a obsessão da paciente.

Tendo como cenário o bairro do Bom Retiro, em São Paulo, outras pequenas histórias são inseridas entre as principais, todas elas com o mesmo caráter sinistro. Um taxista com cães assassinos; o entregador coreano que depois do expediente fica perambulando por prédios desabitados; um homem que sempre liga para casa do escrivão perguntando pelo pai dele, que sofre de demência. Tudo isso em meio aos viciados em crack e trabalhadores bolivianos escravizados pelos patrões. Um grande jogo de peças de montar.

Não resta dúvida que a atração principal do livro é a “Criatura”. O autor conseguiu desenhar esse personagem de uma forma tão ambígua que não é possível saber, no primeiro momento, se ele é um humano ou animal. Segredos não são revelados drasticamente, prendendo a atenção do leitor. O emaranhado bizarro dos acontecimentos é lançado página após página, deixando cada vez mais forte a impressão do terror psicológico. De certa forma o final é bastante previsível, mas se percebe que a intenção nunca foi de um desfecho bombástico.

Todos os aspectos de uma sociedade sufocada pelo medo cotidiano numa grande metrópole é bastante presente no texto. A violência é algo que permeia todos os personagens. Não apenas a física, mas a ira escondida em cada um, que vai se revelando aos poucos. Nesse livro, Joca Reiners Terron parece ter se preocupado em falar apenas o necessário, deixando a narrativa de forma direta, sem muita conversa fiada, com uma dramaticidade que causa incômodo. O que justifica o romance (se é que é preciso) é exatamente a angústia dos personagens, que faz um paralelo com a tristeza extraordinária do título.

 

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