Crédito: Adriana Pagu

Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

 

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Adriana Armony é escritora, professora do Colégio Pedro II e doutora em Literatura Comparada pela UFRJ, com pós-doutorado na Universidade Sorbonne Nouvelle (Paris 3). É autora dos romances A fome de Nelson (Record, 2005); Judite no país do futuro (Record, 2008); Estranhos no aquário (Record, 2012)premiado com a bolsa de criação literária da Petrobras; A feira (7Letras, 2017), finalista do Prêmio Rio de Literatura; e Pagu no metrô (Editora Nós, no prelo).

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O que é literatura?

Uma vida paralela concentrada e desdobrada numa multiplicidade infinita.

O que é escrever ficção?

Um estado flutuante entre duas ou mais vidas; um trabalho de dar forma, pelas palavras, à matéria bruta da vida com uma verossimilhança e uma poética próprias.

Vocação, talento, carma, destino…..o escritor é um predestinado a carregar adjetivos que tentam justificar o ofício?

O escritor é pós-destinado pelas escolhas que faz. Se ele quiser se vestir de tantos adjetivos, paciência.

Qual o melhor aliado do escritor?

O tempo.

E qual o maior inimigo?

A artificialidade.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Sim, porque é um ato da pólis, uma praça de palavras e ideias onde dialogam e debatem autores e leitores.

Quais os aspectos que você leva em conta no momento que começa a escrever?

O aspecto principal é ter uma ideia ou imagem a partir da qual se desdobra um ritmo.

A literatura existe para entendermos o começo, o meio ou fim?

O fim. A literatura nasce principalmente da busca de sentido da vida, e, portanto, da morte.

Se escreve para buscar respostas ou para estimular as dúvidas?

Para os dois, porque é quase a mesma coisa. Cada resposta faz nascer dúvidas novas e melhores.

Criar é tatear no escuro das incertezas?

Isto e, ao mesmo tempo, golpear as certezas no claro.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

“Se Deus não existe, tudo é permitido”. (Os irmãos Karamazóv).

É possível recriar o silêncio com as palavras? Como?

Sim, com a poesia. O próprio silêncio é uma palavra.

Você acredita que qualquer pessoa pode escrever uma história? Mas, então, o que vai fazer dela escritora, de fato?

Qualquer pessoa pode escrever ou falar uma história, mas algumas têm a habilidade de torná-la viva. Depende do talento, da experiência, das leituras, da sensibilidade ao leitor, do trabalho dedicado à linguagem.

É preciso saber olhar o mundo com os olhos da ficção? O mundo fica melhor ou pior a partir dessa observação?

De certa forma, todos olhamos o mundo com os olhos da ficção: na maioria das vezes, a má ou pobre ficção que nos impingem, a dos  valores convencionais e das histórias pré-formatadas. O mundo fica melhor e mais amplo com a multiplicidade das ficções, com as ficções mais empolgantes e complexas da literatura.

Todo texto ficcional, mesmo os mais extensos, acaba sendo apenas um trecho ou fragmento da história geral? Digo, a ficção lança o seu olhar para as esquinas das situações, sendo praticamente impossível se ter uma noção do todo?

Só poderíamos falar de uma história geral se tivéssemos acesso ao Deus de Espinosa, à totalidade da natureza e ao encadeamento completo das suas causas. Como isso é impossível, a nossa história geral é ela mesma uma ficção; dependendo de quem a conta, pode ser mais ou menos próxima aos fatos. Como parte expressiva dessa totalidade, as ficções que assumem seu próprio nome lançam luz a aspectos desse todo de uma forma especial, como minitodos concentrados, ou como vislumbres do todo.

Nesse sentido, uma história nunca tem início, meio e fim?

Toda história tem início, meio e fim, caso contrário não seria uma história – embora às vezes uma etapa se superponha ou equivalha a outra. O que define uma história é o seu fim: dependendo do ponto que escolhemos, a história será feliz ou infeliz, sábia ou perplexa, esperançosa ou desesperada.

Você escolhe os seus temas ou é escolhido por eles?

Não tem muita diferença, porque escolher é também ser escolhido. Na maioria das vezes, eu desescolho temas – mesmo que eles tenham me escolhido.

É necessário buscar formas de expressão cada vez menos sujeitas ao cânone, desafiando a língua, tornando-a mais “suja”, para se aproximar cada vez mais da verossimilhança que a história pede? Ou seja, escrever cada vez “pior”, longe da superficialidade de escrever “certinho”, como disse Cortázar, talvez na tentativa de fugir da armadilha do estilo único?

Não acredito que deva haver regra para isso, o que equivaleria talvez a escrever um sujo “certinho”. Cada história e cada material sugere diferentes formas de expressão. Prescrever um estilo, seja ele qual for, não me parece uma boa estratégia. De qualquer forma, a boa escrita nunca será totalmente “certinha”, caso contrário não dirá nada. Cabe ao escritor decidir como manejar o certinho, o sujo, o poético, o elegante, o mau gosto e até o clichê (como fazia Nelson Rodrigues) para fazê-los dizer alguma coisa.

Quando é que um escritor atinge a maturidade?

Quando encontra a sua voz. Parece um clichê (e é), mas não saberia dizer de forma diferente. Voz me parece melhor do que estilo, por sua conotação mais material, corporal. É o momento em que a imitação de estilos alheios se transmuta em uma dicção particular.

O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?

Nas primeiras páginas, quando aceita o pacto.

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

Numa espaçonave, teria de ser um livro com muitas e coloridas histórias, não necessariamente o meu livro inesquecível. Apostaria na Bíblia ou nas Mil e uma noites.

Qual a sua angústia criadora?

Não encontrar os meus leitores.

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