Crédito das fotos: Felipe Ballin

Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

*********************

André Timm é natural de Porto Alegre e radicado em Chapecó, SC, desde 2004. É autor de Insônia (2011) e Modos Inacabados de Morrer, romance finalista do Prêmio São Paulo de Literatura (2017) e publicado na Itália. Em 2018, venceu o Prêmio Off Flip da Festa Literária Internacional de Paraty. Em 2020, publicou seu segundo romance, Morte Sul Peste Oeste.

*********************

O que é literatura?

A literatura não é uma coisa só, é muitas, e muda para cada escritor e cada leitor. A escrita e a leitura são, ambas, modos de perseguir as respostas para este e outros mistérios internos que cada um de nós carrega dentro de si.

O que é escrever ficção?

O homem que veste-se de mulher no carnaval. A moça que usa um filtro na rede social. A criança que se traja de super-herói. Todos nós que somos uma outra coisa por trás dos monitores. Cada um de nós anseia ser outro, ainda que momentaneamente. Escrever ficção é o exercício de criar as possibilidades para que esse desejo se concretize.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Não necessariamente, embora, nos tempos atuais, seria ótimo que sempre que fosse. Diante da barbárie, do retrocesso, do obscurantismo, cada livro é uma oportunidade de lançar uma garrafa ao mar na esperança de que a mensagem posta encontre alguém. Assim, cada livro despido de intenção política é também uma oportunidade perdida.

Você escreve para oferecer o quê ao mundo?

Escrevo para que as pessoas tenham a oportunidade de serem outras.

O que pretende tocar com a palavra literária, com a ficção?

Já foi dito que a arte toca o vazio. Lourenço Mutarelli vai além e aponta que cria para revestir o vazio. Como se para perceber uma presença invisível, lançasse pó ou tinta para adivinhar suas formas e seu lugar no espaço. Escrever é um tanto isso, uma tentativa não apenas de tocar, mas de revestir os mistérios que nos assombram.

Um mundo forjado em palavras. Se o tempo atual pudesse ser resumido no título de um livro, seja ele hipotético ou não, qual seria?

Então o verbo se fez carne.

A incompletude faz parte do trabalho do ficcionista? No sentido de que nunca determinado conto, novela ou romance, estará totalmente finalizado?

A incompletude está intimamente relacionada à solução do mistério pessoal que carregamos. E é paradoxal. Ao mesmo tempo em que buscamos sua resolução, sabemos que não podemos solucioná-lo completamente, sob o risco de perdermos aquilo que justamente nos impele a prosseguir e mesmo a existir.

Qual o pacto que deve ser feito entre o escritor e a história que ele está escrevendo?

Se entre autor e leitor, o pacto a ser estabelecido é o da coerência, leia-se, a verdade interna que se estabelece para aquele universo, com suas regras e personagens, entre autor e história o pacto deve ser o do espanto. Essa é minha premissa: se uma história não me espanta, então não deve ser escrita por mim.

O que pode determinar, do ponto de vista criativo, o êxito e o fracasso de uma obra literária?

O êxito e o fracasso são conceitos absolutamente subjetivos, se estivermos pensando, e eu estou, para além da lógica comercial que pauta o mercado editorial. Falei na resposta anterior sobre o espanto. E é esse pra mim o conceito que pauta o sucesso ou o fracasso a partir de uma perspectiva pessoal. Se uma história não causa espanto ao seu próprio autor, está fadada ao fracasso, mesmo que comercialmente possa ser um enorme sucesso.

Como surgiu em você o primeiro impulsivo criativo?

Em forma de sonhos. O onírico me atravessa de uma maneira que deixa histórias em seu rastro. Lembrar desses resíduos narrativos fugidios e etéreos já é, por si só, o primeiro esforço, a perseguição por algo a se contar, um impulso.

As suas leituras acontecem a partir de quais interesses?

Os interesses que pautam minhas leituras são os mais diversos possíveis, indo do entretenimento à informação mas também à desinformação, porque desaprender, me parece, é tão importante quanto aprender.

Escrever e ler são partes indissociáveis do mesmo processo de criação. Como equilibrar o desejo de ler com o de escrever?

Leitura e escrita constituem uma luta de forças opostas, pois, uma atividade nos afasta da outra. Por isso, nenhum mal em estabelecer limites para cada uma dessas práticas. Definir e dedicar tempos específicos a cada um delas. Por exemplo, trinta minutos de escrita e duas horas de leitura diariamente.

Um escritor é escritor 24 horas por dia? É, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição?

Somos antenas, fios desencapados captando o mundo com tudo que isso implica. Se é necessário definir, diria que está mais para maldição. É difícil captar e não se deixar afetar. Nossa vingança ao universo, no entanto, é o que fazemos disso. Eu tento encontrar a beleza no caos.

O crítico Harold Bloom falava sobre o fantasma da influência. Você lida bem com isso?

Os fantasmas da influência estão sempre presentes, mas eu finjo que não os vejo.

O escritor sempre está tentando escrever a obra perfeita?

Não deveria. É um peso desnecessário a ser levado nas costas. Retomo minha ideia de espanto. A cada livro me pergunto: essa obra me espanta? Se sim, estou feliz. Não me pergunto se espanta menos ou mais que minhas obras anteriores, apenas se me espanta isso me basta.

Como Flaubert disse certa vez, escrever é uma maneira de viver?

Escrever é uma maneira de existir no outro, algo do qual o mundo carece.

Quando você chega na conclusão de que alcançou o objetivo na escrita (na conclusão) da sua história?

Quando meu texto me espanta.

A literatura precisa do caos para existir?

O caso é que precisa da literatura. Sem ela, ele é apenas vazio e indefinição.

O escritor é um eterno inconformado com a vida?

Por natureza, precisa ser. Se aceita, se abraça, se se satisfaz, se se resigna, se se conforma, está tudo acabado, não há mais porque escrever.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

“Ele de fato fizera aquilo, compreendi, aniquilara o pai. Ele pertencia àquela horda primitiva de filhos que, como Freud gostava de conjecturar, possuem a capacidade de anular o pai à força — que o odeiam e temem, e que, após derrotá-lo, prestam uma homenagem a ele devorando-o. E eu pertenço à horda dos que não conseguem dar um soco. Não somos como os outros, não sabemos fazê-lo, com nossos pais ou com qualquer pessoa. Somos os filhos horrorizados pela violência, incapazes de infligir dor física, ineptos para dar murros ou pauladas, inúteis quando se trata de pulverizar até mesmo o mais merecedor dos inimigos, conquanto não nos falte a turbulência, a cólera, até mesmo a ferocidade. Possuímos dentes como os canibais, porém eles estão lá, fincados em nossas mandíbulas, apenas para articularmos melhor os sons que emitimos. Quando causamos devastação, quando destruímos, não o fazemos com punhos furiosos ou planos impiedosos, ou surtos de insana violência, mas com nossas palavras, nossos cérebros, com a capacidade mental, com tudo aquilo que gerou o comovente abismo entre nossos pais e nós — e que eles próprios suaram sangue para nos dar”.

Patrimônio, Philip Roth

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

Homem em queda, de Don DeLillo.

Qual a sua angústia criadora?

Causar o espanto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *