Crédito: Maria Flor Brazil

 

Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

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Braulio Tavares é escritor, compositor, tradutor. 70 anos,  nasceu em Campina Grande (Paraíba), em 1950. Reside no Rio de Janeiro desde 1982. Tem mais de vinte livros publicados, incluindo romance, conto, ensaio, poesia e literatura de cordel.  Em 2018 lançou o folheto de cordel O Tesouro de Antonio Silvino  (Editora Cordel, Mossoró) e o livro de poemas Galos de Campina (Editora Bagaço, Recife), este último em parceria com o poeta paraibano Jessier Quirino. Em 2019, lançou o livro de contos Fanfic, pela Editora Patuá (São Paulo). Em 2020, relançou pela Ed. Bandeirola (São Paulo) as coletâneas de contos A Espinha Dorsal da Memória e Mundo Fantasmo. Ganhador do Prêmio Caminho de Ficção Científica em 1989 em Lisboa (com A Espinha Dorsal da Memória), do Prêmio Shell de Teatro em 1992 (com a peça Brincante, em parceria com Antonio Nóbrega) e em 2017 com a peça Suassuna – O Auto do Reino do Sol, do Prêmio APCA de Literatura Infantil em 2007 (com O Flautista Misterioso e os Ratos de Hamelin), do Prêmio Jabuti de Literatura Infantil em 2009 (com A Invenção do Mundo pelo Deus-Curumim, em parceria com Fernando Vilela), do Prêmio Femsa de Teatro Infantil, em São Paulo, em 2014, com a peça Lampião e Lancelote.

Mantém o blog Mundo Fantasmo (http://mundofantasmo.blogspot.com), onde escreve sobre literatura, cinema, música, etc.

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O que é literatura?

Para mim, é a arte de contar histórias e de evocar ideias através do uso da palavra. Estou tomando a palavra “literatura” num sentido bastante amplo, envolvendo a prosa de ficção e de não-ficção, a dramaturgia, a crônica, o ensaio, a poesia – as formas que eu pratico com mais frequência.

 O que é escrever ficção?

Para mim, contar histórias. A prosa do século 20 instaurou numerosos modelos importantíssimos de ficção não-narrativa, mas eu escrevo ficção para contar histórias. As outras formas, evidentemente, também são legítimas.

 Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Qualquer ato deliberado é político, porque é uma afirmação de liberdade. Qualquer iniciativa individual, qualquer afirmação da personalidade de um ser humano, tem um mínimo de afirmação política. Esse ato revela e anuncia a existência daquela pessoa, que se exprime através da palavra. Há sempre uma dimensão política nesse ato, por mais limitada que pareça.

 Você escreve para oferecer o quê ao mundo?

Para contar histórias, compartilhar experiências reais ou imaginárias, comentar aspectos do mundo, reproduzir os modos de ser de pessoas e de grupos, e para mostrar o quanto tudo isto depende do uso da palavra, um material de possibilidades inesgotáveis.

 O que pretende tocar com a palavra literária, com a ficção?

Pretendo criar uma área de compartilhamento entre mim e o leitor, através do texto. É um diálogo de mão única, porque só em casos raros um leitor tem a oportunidade de responder aos autores que lê. Mas nem por isso deixa de ter valor. Na verdade não é um diálogo de ida-e-vinda, pergunta-e-reposta. É um passar-adiante de reflexões ou de ideias, uma corrente contínua. Não parece um jogo de ping-pong. Parece a queda de uma pedra num lago.

Um mundo forjado em palavras. Se o tempo atual pudesse ser resumido no título de um livro, seja ele hipotético ou não, qual seria?

 O primeiro que me ocorre é o “Kaos”, de Jorge Mautner.

 A incompletude faz parte do trabalho do ficcionista? No sentido de que nunca determinado conto, novela ou romance, estará totalmente finalizado?

Há três coisas que só existem conceitualmente: casa pronta, filho criado e texto definitivo.

 Qual o pacto que deve ser feito entre o escritor e a história que ele está escrevendo?

Há pactos de variadas naturezas, porque é próprio da ficção ser múltipla, refletir uma infinidade de experiências, inclusive no modo de ser criada. Eu daria como ilustração pessoal uma história na qual estou trabalhando há alguns meses. É como se fosse um jogo de xadrez, em que cada trecho que escrevo conduz a história numa direção diferente, e aquilo fosse minha jogada no tabuleiro. Depois da minha jogada, há um tempo de maturação em que a história fica “preparando sua resposta” no meu inconsciente, enquanto eu me dedico a outras coisas. Quando me sento para escrever o próximo capítulo, este novo texto é ao mesmo tempo a jogada-de-resposta da história para mim, e a minha nova jogada para ela.

 O que pode determinar, do ponto de vista criativo, o êxito e o fracasso de uma obra literária?

Eu diria que quando a gente fica satisfeito com o resultado, isso já é uma forma de sucesso, mesmo que o mundo inteiro deteste a história. Se eu escrevi o que queria, do jeito que queria, é uma forma de sucesso. Agradar à família é outra. Agradar os críticos, idem. Agradar os júris de prêmios literários. Agradar os livreiros. Etcétera.

Como surgiu em você o primeiro impulsivo criativo?

Nasci numa família cheia de jornalistas e poetas. Desde muito cedo, todo mundo na minha casa sabia que eu escreveria e publicaria livros quando crescesse, independentemente de qualquer outra profissão que viesse a ter.

 As suas leituras acontecem a partir de quais interesses?

Tenho interesses muito variados, o que é um problema. Não vou dizer que tudo me interessa – há áreas que não faço questão de ler, como Direito Internacional Público ou Contabilidade Aplicada. Sempre li muito: romance, conto, crônica, poesia, quadrinhos, teatro, cordel, roteiros de cinema, história, ciências sociais, crítica literária, psicologia, parapsicologia, religião, política, ciências, ficção científica… Tudo me interessa, mas nem tudo me interessa o tempo todo.

 Escrever e ler são partes indissociáveis do mesmo processo de criação. Como equilibrar o desejo de ler com o de escrever?

Eu orientei minha vida de modo a ganhar minha subsistência através da escrita, sob todas as suas formas. Escrever é uma obrigação, para poder pagar aluguel, colégio dos filhos, feira, contas de casa, prestações, boletos. Sou obrigado a escrever, mas consigo geralmente direcionar minha vida para trabalhos que me dão prazer ou me ensinam alguma coisa. E leio pelo menos 4 ou 5 horas por dia. Não vejo televisão, não tenho TV em casa há muitos anos. A Internet me informa o que preciso saber.

 Um escritor é escritor 24 horas por dia? É, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição?

Não sou religioso, não acredito em bênçãos nem em maldições, se bem que quando minha filha diz “A bênção, pai”, eu digo “Deus lhe abençoe”. Ser leitor e ser escritor é como respirar, beber água, comer feijão com arroz, andar na calçada. Faz parte da minha vida. Não consigo imaginar uma vida diferente. (Claro que consigo; para isso sou escritor.)

 O crítico Harold Bloom falava sobre o fantasma da influência. Você lida bem com isso?

Não li Bloom, mas essa discussão é permanente. Acho que o grande perigo da influência é quando ela vem de uma só direção. Se um dramaturgo se influencia apenas por Nelson Rodrigues, provavelmente produzirá apenas imitações de Nelson Rodrigues. Mas se ele ao mesmo tempo ler Bertolt Brecht e Neil Simon, alguma coisa deles vai contrabalançar as outras influências. Ou seja: quanto mais influências, melhor.

 O escritor sempre está tentando escrever a obra perfeita?

Muitos estão, mas felizmente é difícil generalizar seja o que for em cima do conceito de “escritor”. É um grupo necessariamente variado, heterogêneo, contraditório, segmentado, todos muito diferentes entre si. Ainda bem.

Como Flaubert disse certa vez, escrever é uma maneira de viver?

Para algumas pessoas, sim. Para elas, escrever é ao mesmo tempo uma missão, um prazer, um ganha-pão, uma aproximação com os seus semelhantes, um aprendizado, um mergulho de auto-conhecimento… Pior é aquele caso em que a escrita supre apenas um desses critérios, mas não os demais.

 Quando você chega na conclusão de que alcançou o objetivo na escrita (na conclusão) da sua história? 

Se eu tivesse tempo infinito, estaria retrabalhando infinitamente os contos que tentei escrever aos 14 anos de idade. Como preciso entregar os textos e passar adiante, tem que existir aquele momento da palavra mágica: “TÁ BOM, CHEGA”. Por isso não me apresso a publicar, a não ser que me tenha sido imposto um prazo. Não havendo prazo, costumo ficar com um conto “pronto” durante meses ou anos, e às vezes me ocorre um pequeno detalhe que estava faltando, vou lá, e ajeito. Mas não se pode retrabalhar o tempo todo. Burilar demais é um gesto de vaidade, de arrogância (“De mim, só esperem a Perfeição!”). Neste aspecto, ter passado algum tempo em redação de jornal me foi muito útil. A certa altura… “tá bom, chega”.

 A literatura precisa do caos para existir?

Não. O caos pode atrapalhar. Pode ajudar. Como tudo o mais.

 O escritor é um eterno inconformado com a vida?

Não posso falar pelos outros, falo por mim. Eu acho viver uma coisa formidável, mesmo com todos os problemas pessoais, interpessoais, sociais, financeiros, de saúde, de tudo. E não tenho inconformismo no sentido de “a vida está errada, devia ser assim-ou-assado”. A vida é o que é, é um mar tempestuoso, e eu estou aqui no meu barquinho. Não sinto inconformismo, a não ser contra aspectos específicos: injustiça social, etc.

 Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

Lembro sempre da sextilha do repentista Severino Pinto do Monteiro, que disse: “Eu só comparo esta vida / à curva da letra “S”: / tem uma ponta que sobe / tem outra ponta que desce, / e a volta que dá no meio / nem todo mundo conhece”.

 Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

Não tenho nenhum livro predileto. Levaria uma enciclopédia ou um dicionário.

 Qual a sua angústia criadora?

Ser obrigado a passar um terço do meu tempo procurando trabalho, um terço criando, e um terço tentando receber o pagamento.

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