Crédito das fotos: editora Reformatório

Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

 

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Bruna Meneguetti é escritora e jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero. Em 2016, um dos capítulos do seu livro O Céu de Clarice (Amazon, 2017) a fez ser aprovada no Curso Livre de Preparação do Escritor (Clipe), ministrado na Casa das Rosas, espaço literário administrado pela Organização Social de Cultura Poesis. Foi publicada na antologia Curva de Rio (Giostri, 2017) e no livro Prêmio Catarata de Contos e Poesias (2017). É coautora de Corações de Asfalto (Patuá, 2018), um livro-reportagem sobre histórias de vida dos trabalhadores das ruas de SP, e ganhou o edital da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo para publicar, em 2019, seu segundo romance histórico O Último Tiro de Guanabara.

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O que é literatura?

Literatura é quando a pessoa que costuma escrever chama o que produziu de literatura.

O que é escrever ficção?

É entrar em um mundo que não é o seu, mas que faz parte de você. A ficção se escreve o tempo todo, mesmo quando não é colocada em palavras escritas. Ela está em brincadeiras ou em histórias imaginadas durante uma caminhada, um banho, um almoço. Está quando um casal passa brigando ao seu lado e você imagina os dramas que cada um pode ter durante a quarentena ou quando um cachorro se aninha a um gato e você consegue visualizar como teria começado aquela amizade. Eventualmente, a ficção vai parar em um papel, uma tela. Então, escrever ficção vira a tradução do mundo, de tudo o que ouviu e viu, e de tudo o que pensou enquanto estava na rotina dos dias.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Penso que sim. Toda história diz como uma sociedade deveria ou não deveria ser. Ainda que esse não seja o objetivo principal daquela narrativa, os personagens, situações e maneiras de narrar fazem com que o leitor pense sobre o próprio mundo. Acho que o ato de levar o outro a refletir sempre vai ser um ato político por afetar diretamente o indivíduo que constitui a sociedade. Por isso alguns políticos tentam agir contra o livro, contra a cultura de modo geral. Se a arte não fosse política, nenhum deles estaria preocupado.

Você escreve para oferecer o quê ao mundo?

Não sei ao certo. Talvez para oferecer essa reflexão sobre as coisas que acabo de comentar. Mas não é um ato muito consciente, do tipo: “vou escrever para oferecer isso”. Cada leitor sempre volta com uma visão diferente do que escrevi, com argumentos e coisas que eu nem tinha pensado ao elaborar a narrativa. Eu amo escrever e, como consequência disso, o que ofereço para o mundo são histórias.

O que pretende tocar com a palavra literária, com a ficção?

Cada texto acaba falando sobre um aspecto diferente da vida. Eu realmente não tenho ideia de como a palavra literária vai tocar os outros ou o que ela vai alcançar. É sempre uma surpresa.

Um mundo forjado em palavras. Se o tempo atual pudesse ser resumido no título de um livro, seja ele hipotético ou não, qual seria?

Uma vez vi esse livro cujo título podia ser lido como o resumo do tempo atual. Era tão bonito, triste e complexo que qualquer reprodução que eu tentasse fazer disso iria reduzi-lo a nada.

A incompletude faz parte do trabalho do ficcionista? No sentido de que nunca determinado conto, novela ou romance, estará totalmente finalizado?

Com certeza. Sempre que penso sobre isso lembro da história do pintor Pierre Bonnard. Segundo Alberto Manguel, o Bonnard foi detido no Museu do Louvre por tentar retocar uma de suas próprias pinturas. Acho que essa anedota diz tudo.

Qual o pacto que deve ser feito entre o escritor e a história que ele está escrevendo?

O de ser coeso durante toda a história e o de não se apegar muito ao texto. Às vezes é preciso reescrever, apagar tudo ou se reinventar.

O que pode determinar, do ponto de vista criativo, o êxito e o fracasso de uma obra literária?

O êxito é quando você termina uma obra literária. Nunca é fácil; escrever um livro envolve muito tempo, dedicação e esforço. Além do mais, pode ser que ele nem seja publicado ou lido. Então o fracasso é quando o projeto se esgota em si, quando acaba a criatividade e a força motora que te impulsionava a escrever aquilo. Mas tudo bem fracassar às vezes também, faz parte.

Como surgiu em você o primeiro impulsivo criativo?

Seria impossível encontrar essa resposta na minha memória. A coisa mais antiga que tenho acesso agora é uma lembrança das brincadeiras com bonecas, em que eu passava o dia inventando longas histórias.

As suas leituras acontecem a partir de quais interesses?

Se a obra conversa de alguma forma com o livro que quero escrever, priorizo a leitura dela. Mas também gosto muito de ler romances históricos, eles sempre terão um espaço próprio no meu coração. Além disso, tento ler mais autores brasileiros do que estrangeiros.

Escrever e ler são partes indissociáveis do mesmo processo de criação. Como equilibrar o desejo de ler com o de escrever?

É algo que sempre me pergunto também, porque tem muita coisa que quero ler. Se fosse ler tudo o que desejo, não faria mais nada da vida. Então, se estou com mais vontade de escrever naquela semana, escrevo. Se quero ler mais do que escrever, leio. Ainda estou aprendendo a respeitar o meu próprio tempo e vontades.

Um escritor é escritor 24 horas por dia? É, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição?

Sim, porque a gente fica o tempo todo escrevendo, mesmo quando não estamos colocando em palavras. Quando elaboro algum projeto ou texto, penso nele sempre. Às vezes, na rua, me vem à mente um parágrafo inteiro, mas logo esqueço  porque não anotei na hora. Também acontece de do nada ver uma cena, encontrar uma pessoa peculiar ou ler um dado interessante e perceber que aquilo vai encaixar bem no projeto literário. A escritora ou escritor não fica procurando por essas coisas. Nossos projetos literários simplesmente fazem parte de nós, temos uma capacidade grande de associar a vida a eles. Mas não acho uma maldição ou uma bênção. É uma capacidade, algo que fazemos naturalmente. Alguns aproveitam isso, outros nunca chegam a colocar no papel ou publicar.

O crítico Harold Bloom falava sobre o fantasma da influência. Você lida bem com isso?

Creio que sim. Adoro ter diversos tipos de influências para escrever um projeto. Quanto mais, melhor.

O escritor sempre está tentando escrever a obra perfeita?

Acho que sim. Caso contrário não teríamos casos como o do pintor no Louvre ou do autor que tenta mudar detalhes do livro no dia em que a obra vai para a gráfica. Mas no fundo a gente sabe que o livro perfeito não existe.

Como Flaubert disse certa vez, escrever é uma maneira de viver?

Sim. E de viver várias vidas em uma.

Quando você chega na conclusão de que alcançou o objetivo na escrita (na conclusão) da sua história?

Quando a narrativa se esgota. Ou seja, você já falou tudo o que se propôs a dizer e qualquer coisa que falar para além disso será uma sobra, algo cortável no texto.

A literatura precisa do caos para existir?

Talvez. Como escrevo do Brasil e para a população daqui, nem sei como seria não ter o caos ao redor ou não falar inconscientemente dele.

O escritor é um eterno inconformado com a vida?

É provável que alguns sejam. Eu sou mais inconformada com certas questões políticas e sociais do que com a vida propriamente. A vida é muito ampla.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

Acabei de ler o livro O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk:

“A voz da árvore tem semelhança com a voz da nuvem, e a voz da pedra é em igual tom ao da voz dos espíritos, uma fala muito clara e cortante. Só quem está vivo consegue escutar a voz do mundo, entender sua linguagem, seu rumor, os ermos e luminescências de suas palavras, e por estar vivo é que consegue responder.”

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

Os miseráveis, de Victor Hugo.

Qual a sua angústia criadora?

Não poder escrever sempre que quero ou que as ideias aparecem.

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