Por Ney Anderson

Pense rápido. Qual escritor brasileiro não precisa de referências bibliográficas nos livros que lança? Informações sobre prêmios literários, obras publicadas e sinopse do novo trabalho são coisas que existem em praticamente todos os lançamentos, sem contar com a foto do escritor estampada na orelha do livro. Essa prática é comum não só no mercado editorial brasileiro, mas do mundo inteiro. São poucos os autores que não fazem parte dessa regra, sempre com a preocupação de chamar atenção apenas para o texto ficcional que está sendo apresentado aos leitores, e não em si mesmos. O caso mais conhecido é o de Salinger, autor de O Apanhador no Campo de Centeio, que viveu recluso por quase toda a vida, sem dar entrevistas a jornais e nem participando de eventos de literatura.

No Brasil, Dalton Trevisan é o caso mais conhecido de aversão à mídia e aos encontros com leitores, fugindo sempre da super exposição no qual o mundo se tornou. Dalton, no entanto, é um ícone da literatura brasileira, com seu nome gravado na história cultural do país. Disso ninguém tem dúvida. Suas obras ficaram famosas pela enorme qualidade e apuro técnico dos textos primorosos desde o começo da carreira. Outro aspecto da obra de Dalton, é que ele é genuinamente um contista, não se preocupando se o livro vai vender ou não, na velha conversa do mercado que contos vendem menos do que romances, por exemplo. Mas o nome de Dalton impresso na capa já traz grande curiosidade entre leitores, jornalistas e acadêmicos.

O que impressiona ainda mais é sua capacidade de nunca parar de produzir, mesmo com quase 90 anos de idade, sempre com obras novas, apesar de criticadas por alguns teóricos com a justificativa de serem iguais umas das outras. Mas Trevisan não se importa com nada disso. O autor lançou recentemente o livro de contos O Beijo na Nuca, pela Editora Record, com a marca originalíssima que é quase um carimbo de identificação. São 48 contos que falam de histórias trágicas, engraçadas e, sobretudo, irônicas.

Muitos podem se perguntar o que Dalton Trevisan ainda tem a falar. A resposta dele nesse novo livro é simples: as histórias humanas nunca se esgotam. Principalmente nas áreas urbanas, onde o autor mira com olhar certeiro. Alguns contos são curtos e diretos, outros um pouco maiores, mas todos de uma linguagem igualmente única, que forma um grande painel da sociedade atual. O que mais alegra, entretanto, é observar que Dalton ainda está em plena forma artística, demonstrando em cada conto D’O Beijo na Nuca um apuro técnico e estético que apenas ele possui. Pode ser até redundante dizer que ninguém escreve como Dalton, mas é importante frisar isso, pois a forma particular que ele criou seu universo literário é de fato única e inigualável. Basta ler esse 46º livro da carreira para saber que ele está ao lado dos grandes ficcionistas que o Brasil produziu.

Nesse livro os personagens são sempre solitários e tecem comentários úteis sobre o centro, ou os centros urbanos, de uma metrópole em crise, destilando uma ironia sagaz nos 48 contos que mais parecem crônicas surreais de uma sociedade perdida.  Não é à toa que ele é conhecido como o “Vampiro de Curitiba”. É uma honra e alegria saber que Dalton Trevisan, mesmo próximo dos 90 anos de idade, está mais afiado do que nunca.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *