Por Ney Anderson

A editora Suma de Letras tem publicado vários livros do escritor americano Stephen King no Brasil. Algumas obras fora de catálogo do autor também estão sendo relançadas pela editora, principalmente os romances com status de clássico. Uma prova disso foi o lançamento recente de Misery – Louca Obsessão, um romance emblemático da carreira do escritor, lançado em 1987, que já estava esgotado há um bom tempo. O livro é um suspense clássico, virou filme em 1990 e deu o Oscar de Melhor Atriz para Kathy Bates. É a história do personagem Paul Sheldon, um famoso escritor de best-sellers, que sofre um acidente de carro durante uma nevasca e é resgatado por Annie Wilkes, um mulher que se diz a fã número dele, e o leva para uma casa no meio das montanhas, sem informar nada para ninguém. Até aí tudo bem, nada demais. Mas o livro foi escrito por uma das mentes mais criativas quando o assunto é terror, medo, tortura e as demais variações perversas que povoam o universo literário do autor norte-americano, por isso a normalidade dessa pequena introdução é apenas o começo de uma trama doentia e arrepiante.

Nova edição de Misery
Nova edição de Misery, Louca Obsessão

Annie Wilkes é uma dessas pessoas aparentemente normais, mas que cometem absurdos por justificativas pífias, onde a única classificação possível talvez seja chamá-la de psicopata ou algo do tipo.  Paul Sheldon é resgatado por essa “fã número um”, como ela faz questão de falar, e sofre horrores nas mãos dela, justamente por uma coisa aparentemente banal. Annie teve acesso aos originais do último romance de Paul com a personagem Misery, que estavam no carro na hora do acidente, e descobre que a heroína morre no final do livro, acabando definitivamente com a série de livros sobre essa personagem. Só isso basta para causar a fúria de Annie, que obriga Paul a escrever um novo livro, com Misery escapando da morte. Machado, faca e maçarico são alguns objetos de convencimento para que o autor produza essa nova obra. O livro, lógico, é carregado de bastante tensão.

Na trama aparecem várias vozes entrecruzadas, que por vezes podem atrapalhar a leitura, também por ser explicativo demais em algumas partes. Mas King conseguiu criar um livro cujo terror vai aumentando aos poucos, em doses homeopáticas. Mesmo sendo um livro com um perfil comercial, que não é alta literatura, se percebe um extremo domínio técnico, pois tudo é executado de tal forma para não apenas criar um ambiente de medo, trabalhando principalmente a ideia de causa e efeito, e várias questões existenciais dos personagens. Vamos acompanhando o processo criativo do livro que está sendo escrito de forma forçada sob uma pressão enorme, torcendo para que ele saia verossímil, sem trapaças, como cobra Anne Wilkes. A escrita desse livro pode ser entendida como uma crítica velada ao  famoso bloqueio criativo ou até mesmo a famosa inspiração, que sempre estão nas rodas de debate quando o assunto é a produção ficcional.  Essa questão puramente literária nos livros de Stephen King é apenas uma das várias obsessões que ele tem, são vários romances com personagens escritores, tão em moda na literatura contemporânea, talvez nem um outro autor trabalhe tão bem essas questões, através dos temas que King explora.

Primeira edição brasileira do romance
Primeira edição brasileira do romance

Em Misery, fica bastante evidente que o escritor sabe, e muito, segurar o suspense até o fim, fazendo com que o interesse pela história aumente na medida em que as páginas vão sendo viradas. Uma fórmula que ele domina com maestria. Não é por acaso que ele é tratado como mestre do terror e do suspense. No entanto, a denominação que melhor se encaixa é o de mestre da trama. Daí o fato dele ser um sucesso estrondoso, com milhões de exemplares vendidos e vários romances adaptados para o cinema e TV. Vender muito, no caso de Stephen King, não é sinônimo de baixa qualidade literária. Ele é tido como um dos principais autores da sua geração, justamente pela originalidade que sempre empregou na extensa obra que começou com Carrie, a estranha, em 1974. Não é fácil agradar tanto gente como ele agrada, até os críticos mais exigentes tiram o chapéu para a capacidade de criação desse autor que conquistou leitores no mundo inteiro.

Misery é apenas um exemplo de como é possível escrever tramas de suspense sem perder a qualidade literária. É um livro para quem gosta de sentir medo e sair da zona de conforto, da mesmice que ronda os romances de horror que são lançados hoje. A experiência é válida, principalmente para entrar no universo caudaloso de Stephen King, que tem mais de setenta livros publicados. Mas se a intenção não for conhecer a obra do autor, e apenas ler um bom romance, esse vale cada minuto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *