Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

 

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Edyr Augusto Proença, paraense, 61 anos, escritor, começou a escrever aos 16 anos, para teatro. Escreveu os livros de poesia Navio dos Cabeludos, O Rei do Congo, Surfando na Multidão, Incêndio nos Cabelos, a antologia O Tempo do Cabelo Crescer e Ávida Vida, todos em edição particular. Escreveu o livro O Teatro de Edyr Augusto, com dez textos de sua autoria. Escreveu os livros de crônicas Crônicas da Cidade Morena I, II , III e agora lança o IV.  Escreveu os romances Os Éguas, Moscow, Casa de Caba, Pssica e Casino Amazonie, lançados na França pela Asphalte Editions e no Brasil, pela Editora Boitempo, com distribuição nacional. Também lançou pela Boitempo o livros Um Sol para cada Um e Selva Concreta. Participou da coletânea de contos Geração 90 – Os Transgressores, pela Editora Boitempo e da coletânea de contos Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século, pela Editora Ateliê Editorial

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O que é literatura?

Quando passamos a rabiscar nas paredes, sinais inteligíveis para comunicar nossas vontades, a Literatura teve início. Ela concentra o maior manancial de conhecimentos da espécie humana ao longo de sua história. Mesmo nos tempos modernos, com tantos gadgets eletrônicos, ainda escrevemos, usamos os sinais para nos comunicar. Para aprender, distrair, atacar, para amar, contar, enfim, a Literatura é uma riqueza da raça humana.

O que é escrever ficção?

Inventar e contar estórias, nos mais variados gêneros. Criar personagens, destinos, tramas de tal maneira que o leitor se divirta, sinta-se incomodado até, mas vá até o final

Vocação, talento, carma, destino…..o escritor é um predestinado a carregar adjetivos que tentam justificar o ofício?

Não tenho explicação. Escritores surgem das mais variadas origens. No meu caso, meu avô, minha tia, meus pais, entre várias ocupações, escreveram livros. Li muito desde cedo. Mas foi a liberdade com que fui educado que me permitiu escrever a primeira peça de teatro, aos 16 anos. Faça o que quiser, mas responda por isso. Respondi. Os livros vieram depois, em vários gêneros. Mas antes de escrever a primeira peça, nunca tinha sonhado em ser escritor. Nos anos 70, tudo era possível. Publicava sem haver sequer público, em minha cidade, para consumir. Mas precisava escrever e publicar.

Qual o melhor aliado do escritor?

A observação. A maior qualidade, também. É preciso circular em diversos grupos. Ouvir as falas, sotaques, cadência, melodias, estupefações. Olhar seus movimentos, reações, sustos, alegrias. A coleção dessas observações vira um grande arquivo na criação de personagens, desde a aparência até a fala e movimentos. E depois mergulhar dentro deles. O que pensam, o que acham, o que dizem? De toda a observação, tiro opiniões que não são exatamente minhas, mas do personagem, embora nele, haja sempre alguma coisa do criador.

E qual o maior inimigo?

O branco. Estava escrevendo. Parei e viajei por suas semanas em compromissos de Literatura. Quando voltei, deu branco. Como recomeçar? Perdi o rumo. Dava voltas, olhava o que estava escrito e nada. Até que tomei o material, reli desde o princípio, entrei naquela estória e terminei. É diferente de receber uma tarefa e não conseguir escrever. Mas há estórias de vidas, criadas, ali. Foi preciso mergulhar de volta.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Somente por ousar pôr ideias em um livro, ato político. Apresentar suas ideias, documentar. Ter a coragem de assinar a autoria. Estar ali exposto ao escrutínio público. Qualquer leitor após pagar por um livro, pode achar muito ruim ou adorar. Pode recomendar positiva ou negativamente. Quando escrevo, quero divertir, distrair a pessoa cansada de seu trabalho, querendo ocupar outra parte do cérebro. Mas também quero incomodar. Quero mostrar acontecimentos, como se perguntasse se isso ou aquilo está certo? Reflita e siga a leitura. É minha alma de jornalista, minha profissão. Escritores são festejados e perseguidos no mundo inteiro, por exercer a escrita e assinar.

Quais os aspectos que você leva em conta no momento que começa a escrever?

Meus livros começam a se formar em rápidas ideias que vou amontoando na cabeça. Aqui e ali surgem personagens, acontecimentos, ações que vão dando sustentação ao enredo. Quando tenho uma primeira cena, há um clic, um aviso para escrever. E quando escrevo, vou ao sabor da pena, como diziam, embora tecle em computador. Não sei exatamente o que acontecerá. Com certeza, não sei como terminará. Para mim, essa é a graça de escrever ficção. Durante esse período, sou o mais feliz do mundo. Estou em outra órbita, discutindo com meus personagens, o tempo todo, o que há por vir. Quando termino e entrego à editora, há como que um luto, como um amor que acaba. Ficamos sem programa, procurando filmes, livros, para nos distrair. Estávamos enamorados do livro, da convivência.

A literatura existe para entendermos o começo, o meio ou fim?

A literatura veio para iluminar. Como um farol do conhecimento. Para nos entendermos. Para refletirmos. Para aprender. Para sonhar, o que é muito importante. Para falar melhor. O fim nem é o melhor e sim o que há entre o começo e o fim. Isso em seus mais variados gêneros. Sou um leitor vulgar. Vago pelas livrarias e qualquer bom prefácio ou notas já me conquista. Gosto de ficção. Romances policiais, mas gosto de romances de amor, claro, que não sejam piegas. Gosto de sonhar. Ler um livro é preencher seu cérebro de uma estória e inventar personagens e cenários com nossa coleção de imagens, guardadas na memória. Por isso prefiro a Literatura ao Cinema, onde o diretor me diz e me mostra o que olhar, onde já está tudo criado.

Se escreve para buscar respostas ou para estimular as dúvidas?

Se escreve por tudo. Para comunicar. Dizer. Gritar. Vociferar. Escrevo particularmente para estimular dúvidas sobre as pessoas. Fazê-las pensar sobre seus assuntos, comparados aos do livro. Para rir, feliz. É como dizer o tempo todo : “ou não?”. Considere, reflita, coteja e saia com uma resposta. Ou não. O mundo não vive das respostas e sim das perguntas.

Criar é tatear no escuro das incertezas?

Sim. Não sei de onde vêm as idéias. Não toco instrumentos mas componho trilhas sonoras. As estórias. O que vem depois deste capítulo? Na próxima página? A mente circula no escuro do cérebro. Estimula as sinapses e de repente, até sob pressão (que eu prefiro) pensamos e o mundo começa a se abrir como uma rosa em milhares de possibilidades, todas incertas, claro. E vamos tateando, identificando formas, juntando quebra cabeças até ficar pronto e não sabemos como foi. Às vezes penso que meu avô deu um pivô na minha cabeça e escreveu. Meu pai. Está escrito. Naquele papel, uma soma de tudo de cultura que você consumiu, educação e observação. De onde tudo isso saiu? Você juntou.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

“Nem tudo é dias de sol e a chuva, quando falta muito, pede-se. Por isso tomo a felicidade com a infelicidade naturalmente, como quem não estranha que haja montanhas e planícies, rochedos e erva. O que é preciso é ser natural e calmo. Na felicidade ou na infelicidade. Sentir como quem olha, amar como quem anda e quando se vai morrer, lembrar-se que o dia morre, o poente é belo e é bela a noite que fica”. Fernando Pessoa.

É possível recriar o silêncio com as palavras? Como?

É possível, usando da técnica literária, induzir o leitor a uma situação em que o silêncio se imponha. Mas sem a cumplicidade do leitor e toda sua cultura de leitura, não dá. A circunstância em que o silêncio será recriado é importante.

Você acredita que qualquer pessoa pode escrever uma história? Mas, então, o que vai fazer dela escritora, de fato?

Um escritor árabe disse algo relevante: escrever é muito fácil. Por isso é tão difícil. Qualquer pessoa pode escrever uma estória, da sua vida, por exemplo. Há um determinado momento em que as pessoas têm esse desejo. Costumo estimula-las. Ponha para fora, diga! A maioria senta diante do teclado, escreve uma frase e depois chega à conclusão que trata-se de tarefa impossível. Outras escrevem, escrevem, reescrevem e aos poucos, o hábito vai como que filtrando, evitando lugares comuns, adicionando personagens e aí vem o que é o definitivo: estilo. São milhares de escritores em ação, querendo sua atenção. O que há para diferencia-los? O estilo e este, só se alcança escrevendo. Muito.

É preciso saber olhar o mundo com os olhos da ficção? O mundo fica melhor ou pior a partir dessa observação?

Marcelo Mirisola disse: ficcionistas, cuidado! A realidade é uma concorrente. A televisão com sua câmera tremida, subindo o morro atrás de bandidos, acompanhando a polícia, repórter ofegante e tiros. Estamos íntimos de fuzis e escopetas, pistolas Glock. Isso tudo no jornal das oito. No cinema, americanos explodem sensacionalmente seus mais importantes símbolos. O mundo está suficientemente arrumado para o ficcionista melhorar ou piorar. Há também o twitter a exigir o uso de menos palavras. Há um idioma novo, da garotada. A Língua é um organismo vivo. Nos meus livros, uso tudo isso. Frases curtas, ritmo, misturo as vozes no mesmo corpo de texto. A essa altura, meu leitor é meu cúmplice, completando com seu arquivo de imagens, o rosto de personagens e cenário. Como se ele estivesse presente nas cenas, mas escondido e ao final do capítulo, ofegante, dê uma pequena pausa e vá em frente. Na televisão o movimento frenético é o mesmo, mas estamos em nossas poltronas, tranquilos.

Todo texto ficcional, mesmo os mais extensos, acaba sendo apenas um trecho ou fragmento da história geral? Digo, a ficção lança o seu olhar para as esquinas das situações, sendo praticamente impossível se ter uma noção do todo?

São retalhos da vida. Fragmentos. Em cada esquina, pessoas vivem seus dramas diários, seus traumas, seus interesses e desespero. No fundo é a mesma história, seja aqui, seja no Azerbaijão. Gente correndo atrás da felicidade, da vida, do amor e de dinheiro. Somos nós, seres humanos, alguns com boa Educação e Cultura, outros sem nada, reagindo ao que nos é oferecido.

Nesse sentido, uma história nunca tem início, meio e fim?

Cada um vive sua vida, dure o que durar. O mundo continua. O cotidiano massacrando nossos sonhos, inventando a cada passo, mais um degrau. E a modernidade nos fez mais confusos, ansiosos, apressados, consumistas e infelizes. Para cada um, só há o durante e o que fazemos enquanto isso.

Você escolhe os seus temas ou é escolhido por eles?

Não sei de onde eles vêm. Sou um observador. Consumo diversos jornais, revistas, filmes, televisão, música. Escrevo para teatro. Gosto de gente. Basta ficar parado em uma esquina para os temas se oferecerem. Mas o cérebro vai filtrando até decidir que aquele tema pode ser interessante. Vem um fio de estória, um ou dois personagens e a partir daí, vão se juntando até vir o clic e a primeira página.

É necessário buscar formas de expressão cada vez menos sujeitas ao cânone, desafiando a língua, tornando-a mais “suja”, para se aproximar cada vez mais da verossimilhança que a história pede? Ou seja, escrever cada vez “pior”, longe da superficialidade de escrever “certinho”, como disse Cortázar, talvez na tentativa de fugir da armadilha do estilo único?

Em meus romances, os personagens estão sempre ávidos por uma solução de seus problemas. Cada um fala de um jeito, sujo, limpo, culto ou inculto. A verossimilhança vem ao fazer o leitor acreditar neles. A Língua, ali, está a serviço da trama. Quando escrevo crônicas, a linguagem é mais leve e até há parágrafos mais longos. Mas nos romances, o estilo serve-se da linguagem para conquistar o leitor, torna-lo cúmplice para irmos juntos até o final.

Quando é que um escritor atinge a maturidade?

Quando o estilo se cristaliza. O meu, acho, atingiu maturidade em Pssica. O ritmo, as frases, as falas. Posso estar lendo, por deleite, um romance maravilhoso e ao mesmo tempo, escrever um livro novo. Um estilo não afeta o outro. Muitos dizem que devo escrever frases longas e depois ir cortando até atingir a concisão. Nunca fiz isso. Mas diria que em Pssica, está tudo certo.

O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?

Na primeira página. As primeiras quinze linhas de um livro são definitivas para a apreensão do leitor. E logo o chamo para criar o rosto e corpo de personagens, de coloca-los em um cenário imaginado. A diferença quando sou lido por leitor paraense é que ele pode se colocar em cenários citados, em Belém, que ele conhece bem. É outra viagem. O leitor sente-se tão parte do livro que às vezes, ao matar um personagem, recebo queixas de leitores que por si só, já imaginavam outras ações com ele.

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

O Homem que Amava os Cachorros – Leonardo Padura

Qual a sua angústia criadora?

Não sei se tenho. Trabalhei sob pressão para criar uma vida inteira. Em Publicidade, em Rádio, Jornal e Teatro. Não há folha em branco, como se dizia no tempo das máquinas datilográficas em que iniciei a trabalhar. Espero o próximo livro se formar em meu cérebro, em seu ritmo. Já tenho alguns pensamentos a respeito, mas é muito cedo para citar. Tenho ansiedade, muita ansiedade durante o tempo em que escrevo. Talvez sinta a ansiedade dos personagens em resolver seus problemas. Quando se passa a vida diante de uma máquina ou teclado, pronto a dar respostas quase imediatas, não há tempo para a angústia criadora e sim a tarefa a ser executada.

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