Foto: ©Raul Krebs

Por Ney Anderson

Um livro importante para a compreensão da literatura e o modo como ela é feita. É o Escrever Ficção – Um manual de criação literária, do professor e escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis Brasil, que acabou de ser publicado pela editora Companhia das Letras.

Assis Brasil é o criador da mais antiga oficina de escrita literária no país, com 34 anos de existência, que deu origem aos cursos de graduação, mestrado e doutorado em escrita criativa na PUC do Rio Grande do Sul, formando diversos autores contemporâneos de destaque. O livro Escrever Ficção vem com a proposta de compilar em forma reduzida a experiência do professor acumulada em três décadas e meia à frente dos estudos literários.

Longe de ser um trabalho de leitura cansativa, mesmo com quase 400 páginas, o livro é uma grande conversa, uma reflexão, onde o autor apresenta algumas ferramentas para quem quer ser escritor. Mas de forma leve, com muitos exemplos retirados de clássicos da literatura brasileira e universal e também de obras recentes. Eu digo mais, não somente para quem quer ser escritor, mas para os leitores que querem entender como funciona o artesanato, a construção, da ficção.

São nove capítulos, onde o Assis joga muita luz na criação do personagem, que é o principal elemento de condução das histórias. Mas ele também fala sobre o planejamento, o enredo, a estrutura da obra, o estilo, o tempo de cada tipo de narrativa, a utilização de diálogos, as autobiografias. Digamos, é o roteiro para a criação das histórias. Sempre tendo como base a escrita de narrativas longas, como o romance e a novela. Curiosamente não existe capítulo dedicado para a criação de títulos.

É praticamente inevitável ser um leitor e não ter a curiosidade em saber como o autor escreveu determinada obra. Embora nem todo escritor goste de falar do processo criativo dos seus livros, eles existem, não nascem simplesmente do nada. Embora alguns digam que não, que só alguns poucos detém o poder quase milagroso de escrever uma obra literária, personificando as histórias quase como um evento sobrenatural. Até as escrituras sagradas vêm com a ideia “do nada para o tudo”, como está em Gênesis: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. E até mesmo na ciência, que explica a criação do universo a partir do Big Bang. O fato é alguma coisa existia no princípio de tudo.

Teorias da criação do universo à parte, muitas são as formas de produzir contos, romances e novelas, e nenhuma delas surgem inteiras, com começo, meio e fim, enviadas por algo classificado por muitos como inspiração. As oficinas literárias estão aí para provar (e comprovar) isso. E agora com o auxílio luxuoso do professor Assis Brasil.

“O ficcionista é uma divindade criadora em eterno deslumbramento perante o mundo que gerou, perante as mulheres e os homens cujas ações comanda. O ficcionista, por isso, é aquele que, em meio ao tumulto do dia ou a uma festa aborrecida à noite, quer logo correr para casa, a fim de penetrar nesse universo, o único em que ele é livre, devendo prestar contas apenas à integridade da própria criação”.

Para conduzir os capítulos, Assis utiliza as dúvidas de um aprendiz de romancista (Thiago) para tentar ajudá-lo a fazer com que a história que ele está tentando contar progrida. Para isso, ele lança mão de vários recursos teóricos, com exemplos de obras universais, brasileiras e contemporâneas, na tentativa de mostrar para o jovem a infinidade de possibilidades que ele tem à disposição.

O enredo desse suposto romance envolve complexas relações entre estudantes de pós-graduação em letras e tem como personagem central um jovem, Vladimir, provindo de uma pequena cidade. O caso de amor termina entre mil amarguras. Vamos acompanhando toda a construção desta história dentro da história através dos ensinamentos do professor.

Esse componente faz do Escrever Ficção quase um romance, porque é exatamente a história desse jovem escritor que vai sendo narrado pelo professor e construindo com dicas que ele dá ao longo da obra, a partir dos capítulos com vários subtemas. O professor faz perguntas instigantes para destravar o aprendiz, dando exemplos da própria carreira nas duas áreas. Amparado em dezenas de exemplos da literatura mundial. A presença constante de Ian McEwan, com dez exemplos de finais, já demonstra a predileção do autor pelo escritor britânico. Mas também estão trechos de Machado de Assis, Shakespeare, Dostoiévski, Carlos Fuentes, Jorge Amado, Clarice Lispector, Garcia Márquez, Miguel de Cervantes, Cortázar e tantos e tantos outros.

O livro, que contou com a colaboração do escritor e também professor de escrita criativa Luís Roberto Amabile, levanta vários questionamentos, como o porquê de alguém decidir escrever determinada história. De acordo com o autor, o ficcionista precisa de vivência para produzir boas histórias. Pois o leitor tem que acreditar no que está lendo para que a trama funcione. O texto, inclusive, tem essa característica de falar diretamente com o leitor.

Segundo Assis, o personagem é a razão de ser de qualquer narrativa. Mas ele precisa ter objetivos, motivações e conflitos. Sem isso, não há narrativa que preste. Na medida que Assis vai tecendo análises sobre a literatura, o autor também coloca a figura humana do escritor como centro importante e determinante para a compreensão das obras.

O Assis Brasil é um autor com mais de 20 livros publicados, alguns receberam prêmios importantíssimos, como o Jabuti, o Machado de Assim da Biblioteca Nacional e o Portugal Telecom. Portanto é alguém que, no mínimo, devemos prestar atenção.

Como ele mesmo diz na introdução, Escrever Ficção não oferece fórmulas, apenas ferramentas. E a literatura é uma caminhada que nunca acaba, pois sempre está se tentando algo novo para contar e desvendar ou desbravar.  “Caso você tenha aprendido alguma coisa útil neste livro, você só será ficcionista por inteiro no dia em que o tiver apagado da memória”. E mais. A grande oficina literária é a leitura constante de obras de ficção.

O livro deixa uma mensagem importante para quem quer seguir profissionalmente o ofício da escrita: a única coisa que fica é a literatura. A obra. O resto (o ser humano) não passa de poeira de estrela.

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