Por Ney Anderson
Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora
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Geórgia Alves é escritora, jornalista e cineasta. Autora do blog “Dacordafelicidade”. Especialista em Literatura Brasileira, com monografia sobre A Felicidade em Clarice Lispector. Textos publicados no site Interpoética, NotaPE e Escritores e Tal. Além do Jornal das Ideias. Roteirista e diretora dos filmes: O Triunfo – inspirado no primeiro conto de Clarice, premiado com menção honrosa pelo Sindicato dos Trabalhadores do Audiovisual de SP, no CinePE 2008. E Grace – do Projeto Olhares sobre Lilith. Cinco gerações de mulheres com um mesmo despertar. Exibido na Casa das Rosas/SP e Circuito SESC de Cinema e Literatura (Garanhuns, Triunfo, Arcoverde, Buíque, Cabrobó e outras cidades do Interior de Pernambuco). Recentemente lançou o romance A Caixa Preta.
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O que é literatura?
A vida que escrevemos com nossas sensações, sentimentos, a escrita da alma ou daquilo que se pode chamar de “forças indescritíveis”. Algo que transcende o “Logos”. É mais que pensar a existência. É também sentí-la. Buscar compreendê-la à exaustão. Arremessando a si Mesmo no duelo das intensidades, identidades, dualidades desconhecidas.
O que é escrever ficção?
É o deleite da vida inventada. A possibilidade de reinventar todo o mundo reivindicando seu modo presente nele.
Vocação, talento, carma, destino…..o escritor é um predestinado a carregar adjetivos que tentam justificar o ofício?
De preferência que leve o verbo. Ou, melhor ainda, que o verbo o leve (risos).
Qual o melhor aliado do escritor?
O seu maior inimigo. A vida em si mesma e seus desatinos.
E qual o maior inimigo?
A vida que não vê. A mesma vida quando arrisca-se decifrá-la.
Escrever é um ato político? Por qual motivo?
Sempre. Pelo mesmo motivo que quem vive respira. O coletivo é o que mantém vivo um Escritor ou Escritora. Porque se escreve é para estar vivo e viva!
Quais os aspectos que você leva em conta no momento que começa a escrever?
Se for um conto, a contundência. O breviário no aprendizado. Se for uma crônica, o tempo. Se for um Romance, a estrutura. Leve-se em conta a respiração sempre. Escrever é pulsar na forma. Ir inteiro com razão e coração existir neste outro mundo.
A literatura existe para entendermos o começo, o meio ou fim?
Não nesta ordem.
Se escreve para buscar respostas ou para estimular as dúvidas?
Sempre para ampliar as perguntas. Ampliar seu número e seus eixos. Os paradigmas, conflitar com a doxa. Talvez, talvez mesmo, seja caminho para a não-resposta resposta.
Criar é tatear no escuro das incertezas?
Sim. Mas tenho dúvidas a este respeito. Porque também na luz nos desfazemos. Também somos fragmentos de luz e cor.
Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.
A Arte de amar, a paixão segundo… A guerra não tem rosto de mulher.
É possível recriar o silêncio com as palavras? Como?
(Resposta em branco ou o vazio preenchido)
Você acredita que qualquer pessoa pode escrever uma história? Mas, então, o que vai fazer dela escritora, de fato?
Pra pessoa é uma história escrita. Toda escrita pede que uma pessoa seja escolha.
É preciso saber olhar o mundo com os olhos da ficção? O mundo fica melhor ou pior a partir dessa observação?
É que a verdade é tão incerta. E há a mania da doxa. A linha melhor de uma escrita do mundo é a doxa em paradoxo. O mundo fica melhor se o humano se mistura… só há uma forma humana se alguém se mistura. E como a verdade escapa à palavra, a invenção é lugar de reencontro do encontro que não houve.
Todo texto ficcional, mesmo os mais extensos, acaba sendo apenas um trecho ou fragmento da história geral? Digo, a ficção lança o seu olhar para as esquinas das situações, sendo praticamente impossível se ter uma noção do todo?
É que a porta se abre graças à dobradura. É no lugar desse mecanismo essencial por onde ingressamos, nestes múltiplos outros Universos.
Nesse sentido, uma história nunca tem início, meio e fim?
Não nessa ordem. Vem da desordem e do sentido da vida. Do que inverto no espelhamento dos desvalores do mundo. Então, só poderei enxergar no jogo. Na arena dos espelhos.
Você escolhe os seus temas ou é escolhido por eles?
Sempre escolhida por eles, apenas tento fixar antes um tácito acordo. Se vão me desmanchar e me rasgar por inteira, dou-me na medida em que me tornem mais viva, ao final. Pois mesmo que desfeita em pedaços espero não remendar nossa relação (risos).
É necessário buscar formas de expressão cada vez menos sujeitas ao cânone, desafiando a língua, tornando-a mais “suja”, para se aproximar cada vez mais da verossimilhança que a história pede? Ou seja, escrever cada vez “pior”, longe da superficialidade de escrever “certinho”, como disse Cortázar, talvez na tentativa de fugir da armadilha do estilo único?
Ah, a imperfeição humana. A carne Humana é tão bela, quanto escarnecida. Tão suave quando nodosa. Causa arrepios e.sensações indecifráveis de modo que mergulhamos para buscar.um sopro de vida, ou nós nos afogamos por excessos e superfícies. A língua, com ou sem esqueleto, é o canal de passagem para saciar a sede de gôsto pelo mundo. Não posso experimentar o mundo todo por silêncios. Se não há a palavra necessária, não escrevo, esculpo, danço, pinto. Qual o lugar certo da Arte? O lugar avesso da vida? É tão impossível encerrar está resposta como usar a palavra “mar” para quem quer a experiência dos oceanos. A verossimilhança é a verdade do mar quando ao invés de navegá-lo dou-me a ele por venturas narrativas. Desafiar a língua é afiar e afinar a própria relação com sua Natureza.
Quando é que um escritor atinge a maturidade?
Quando estiver morre o autor. Nem sempre literalmente.
O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?
Desde o primeiro instante. A obra é feita muitas vezes mais por quem a lê. Não existo senão diante da obra enquanto ente e do leitor enquanto não dissidente.
Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?
A maçã no escuro
Qual a sua angústia criadora?
Devo descobrir quando estiver em silêncio, mas diante de um apelo mudo irrevelável, talvez seja a qualquer hora da noite enquanto piso em Pedras Ternas. A qualquer tempo estarei na iminência da descoberta.
Grata por este momento, Ney Anderson. Parabéns pelo ofício. Teu trabalho com as palavras. Tuas perguntas provocaram êxtase, o mais devorador, puro do estado Literário.