D. Laura

Por Ney Anderson

No oitavo andar do edifício garagem do Hospital Português no Recife, onde está localizado o setor de comunicação, Laura Areias, uma senhora muito ativa de 89 anos (90 em dezembro) lê relatórios e escreve sempre à mão quando lhe é solicitada alguma tarefa. Ela, que é diretora de comunicação do hospital, já publicou 45 livros entre ensaios, romances, contos, crônicas, poesia, livros históricos e religiosos, não pensa em parar tão cedo. Portuguesa, ela veio para o Brasil com 24 anos de idade, em 1949, junto com o marido, por causa da perseguição política do governo de Antônio de Oliveira Salazar (1932-1968). Instalou-se no Recife por ser mais perto de Portugal e na capital pernambucana construiu uma carreira digna das grandes pessoas.

Laura formou-se em pedagogia, letras e fez parte da primeira turma de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco, junto com o poeta César Leal. O amor pelas letras sempre foi muito grande, tanto que ensinou gramática, literatura e redação na American School, no Ginásio Pernambucano e na própria Unicap. Mas a ficção sempre foi o grande prazer da sua vida. Nas histórias criadas quase que diariamente, como uma profissão mesmo, ela se mantém em contato com o real, observando com olhar atento para extrair do dia a dia os melhores personagens e histórias. “Gosto de escrever ficção, é mais fácil. Porque é minha imaginação no conjunto de realidade e sonho. Ou realidade e realismo”, diz.

Com uma voz baixa e calma ela conta que mesmo nos livros históricos insere personagens criados para entusiasmar o leitor, sem comprometer em nenhum aspecto no resultado final. Mas o que prefere fazer mesmo é pensar em novas possibilidades criativas para seus futuros livros. Com a elegância que lhe é natural, ela diz gostar mais da classe popular, por ser “mais autêntica nas emoções”, com maiores possibilidades para os romances e contos que desenvolve.

Durante a conversa, ela mostra um caderno onde está rascunhando o novo livro, ainda sem título (ele sempre aparece no final da história, ou durante o processo de escrita) com a letra firme e legível, já com algumas cenas e diálogos. “Não escrevo no computador, escrevo sempre à mão. Tudo meu é muito rápido, as minhas mãos digitando não seriam tão rápidas quanto minha cabeça. Prefiro escrever dessa maneira”, comenta Laura. O livro mais recente da autora é Pseudodetetive, que conta a história de um jornalista contratado por um amigo para descobrir os gastos exagerados do pai, um rico empresário que está levando a empresa à falência. A prosa de Laura Areias é clara e direta, talvez pelo fato dessa observação constante e sem as amarras da tecnologia. “Eu escrevo em qualquer lugar, no carro, no trabalho etc”. Ainda tem planos para escrever uma peça de teatro.

Mas não se engane, ela não se apega, e muito menos morre de amores, pelos personagens, como outros escritores que sofrem quando terminam um novo livro. “Se meu personagem não tem um corpo (estrutura) convincente eu o mato”. Com a imaginação fértil e em plena atividade, não seria muito dizer que Laura Areias ainda pode nos presentear com várias obras, até porque está com três livros inéditos.

Mesmo depois de tanto tempo no Brasil, o sotaque português ainda é bastante forte, o que nunca foi problema para a integração total em terras pernambucanas. Membro da Academia de Arte e Letras de Pernambuco, ano passado recebeu o título de Cidadã Pernambucana pela Assembléia Legislativa do Estado. Vários Prêmios coroam sua notável qualidade literária, entre eles o “Carlos Rios” (1962) e o troféu “Escritora de Portugal 2000”, concedido pela União Brasileira de Escritores de Pernambuco.

Ela diz que a literatura não pode ser tão diferente da vida, é com isso que ela sempre se preocupou nos romances, em não separar tanto assim o real do ficcional. A maneira de saber quando uma história já chegou ao fim surge tranquilamente para ela, que recebe informações do próprio andamento do texto. “Quando os meus personagens já estão realizados, ou vão casar, morrer, ou caminhar pela vida. Eles não precisam acabar bem. Eles podem acabar de qualquer jeito, porque na vida num dado momento você está de qualquer jeito. Meu livro fica nesse dado momento. O casamento não é um fim, é um meio. Então eu sempre acho que estamos no meio das coisas, e os livros precisam ser assim”.

Laura já poderia estar aposentada, mas esse nunca foi seu desejo, ela atribui essa força aos sonhos que alimenta constantemente. “Todos nós devemos ter um sonho, porque a realidade só existe se tiver um sonho. O sonho é o caminho da sua realização, é ele que desperta para a realidade. É o que leva você a vencer”. Talvez a chave para toda essa vitalidade esteja principalmente na humildade que ela carrega. Mesmo depois de tantas conquistas e dezenas de livros lançados, ela, incrivelmente, não se dá por satisfeita. “Não escrevi o livro que eu gostaria que fosse muito bom. Ainda não me contentei como escritora. Eu tenho os pés no chão”, finaliza.

Texto publicado originalmente pela Revista Fácil Lazer e Negócios – edição/maio-2013

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *