Por Ney Anderson

O escritor pernambucano Marcelino Freire, é um dos autores mais inquietos da literatura brasileira. Sempre está organizando ou participando de festas literárias, escrevendo sobre literatura em seu blog Ossos do Ofídio e causando polêmicas nas declarações. Este ano decidiu sair da zona de conforto da Editora Record (Freire publicou dois livros: Contos Negreiros em 2005 e Rasif em 2008) e lançará o novo livro de contos, Amar é crime, por uma editora independente. A seguir confira a entrevista com Marcelino e um trecho exclusivo do livro.

Entrevista – Marcelino Freire

Tem gente que quer silenciar essa nova geração
O autor organiza a Balada Literária
em São Paulo. Foto: Renato Parada
Você está prestes a lançar um novo livro, Amar é crime, e optou por não ser pela Editora Record, qual o motivo da mudança?
Cansaço. Estava querendo mudar, sacudir, sei lá, me “inventurar” outra vez. Desde novembro passado que participo de um coletivo artístico, o EDITH (visiteedith.com). Faz tempo que queria criar um grupo instigante, pulsante. Tem gente muito boa por lá. Estamos publicando livros, fazendo filmes, pensando em realizar exposições, teatro, etc. Acabamos de instituir um concurso literário só para escritoras. Veja lá no site. Então… Aí quis levar o meu novo livro de contos para o coletivo. Uma forma de estar junto, de brigarmos unidos, de trocarmos forças. Não tenho o que reclamar da Editora Record, que fez dois belos livros meus. Foram excelentes parceiros. Mas, agora, eu estou precisando desse gás, precisando me provocar. Se a gente não tomar cuidado, vira um croquete, um vinho branco – essa coisa meio status quo, cocorocó, me cansa. Quis zerar tudo, entende?
Por que Amar é crime? Fale um pouco desse novo livro.
Reuni os contos que venho escrevendo durante esses três anos (meu último livro de contos foi o “RASIF” em 2008) e vi que ali, nos contos, tinha gente sofrendo de amor, matando por amor, ganhando dinheiro com o amor. Sangue e paixão, beijo e cuspida, sei lá. Tudo junto nos contos (alguns deles, bem longos para o meu padrão). Fiquei procurando o título do livro. Foi quando ouvi uma quadrinha, cantada pela Jussara Silveira. Na musiquinha, ela diz: “você diz que amar é crime / se amar é crime eu não sei não”. Aí bati o martelo, é este o título da reunião dessas histórias cegas, viscerais, à doida. Tem gente que está transformando o amor em negócio – algumas ONGs por exemplo. Eu não denuncio isto, mas está lá, na pele dos meus personagens, o quanto estamos sofrendo por causa disto. Enfim…
Os seus livros carregam o peso da violência: mortes, estupros, fome, etc. Sempre sentiu urgência de tratar da violência por um viés artístico?
Eu sempre digo: eu não escrevo sobre violência. Eu escrevo SOB violência. A violência está aí, no nosso dia a dia. Sou afetado por ela. Quando vejo, meus contos estão contando isto, tentando entender o absurdo em que vivemos. Eu sou vítima. Como vítima, grito, esperneio, solto o verbo.

O prêmio Jabuti que você ganhou (pelo livro “Contos Negreiros“, publicado pela Record em 2005), foi uma conquista e ao mesmo tempo um peso nas suas costas?
Não, o Jabuti nunca foi peso. Não parei de escrever por causa dele. Não escrevo pensando em Jabuti, em prêmios. Na época em que ganhei o Jabuti, não fiz concessão. Meu livro estava lá, com meu ritmo, personagens, ladainhas. Vieram e me deram o prêmio. Não pedi. Agora, falo sempre: tem escritor que recebe um prêmio deste e começa a peidar diferente. Não foi o meu caso, nunca será. Aliás, não inscreverei o meu novo livro em Jabuti nenhum. Não quero Jabuti. Eu quero o leitor, o comparsa, o cúmplice perfeito, por exemplo, para este novo “crime” que estou cometendo.
Quais escritores que você nunca esquece?
Manuel Bandeira, Drummond, Cabral, Graciliano, Adília Lopes, Machado, Jean Genet, Raimundo Carrero, João Gilberto Noll, Santiago Nazarian, Ivana Arruda Leite, André Sant’Anna, Vergílio Ferreira, Nelson de Oliveira, Artur Rogério, Miró, Jommard Muniz de Britto, Roberto Piva, Glauco Mattoso, Laerte, Wilson Bueno, Manoel de Barros. Eta porra! Vou esquecer um montão de gente boa. Paciência.
Lygia Fagundes Telles recentemente concedeu uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo e afirmou que não lê os novos escritores. O que acha dessa posição?
Sou amigo da Lygia, leitor dela faz tempo. Fiz uma justa homenagem para ela na última edição da Balada Literária. Lygia deu e dá a sua vida para a literatura. Continua atuante, escrevendo. Acabou de fazer 88 anos. Cara, o que podemos cobrar da Lygia que ela não já tenha dado para a literatura? Ela não precisa estar interada com a geração atual. Ela precisa ser feliz. Viver a sua vida como ela quiser. É uma grande escritora e basta. Não vejo a sua afirmação como negação, mas como direito, prioridade. Está certíssima.
Qual o maior pecado dessa nova geração de escritores?
Escrever. Tem gente que quer silenciar essa nova geração. Calar, esconder. Deixem os novos escritores, porra, chegarem com seus parágrafos e suas armas. Para alguns, o nosso “crime” (olha o crime aí de novo) é escrever. Continuarei pecando. Escrevendo. E, sobretudo, fazendo amor animal, é claro.
A internet é uma aliada para a literatura brasileira? Ela ajudará a criar o hábito pela leitura?
Adoro a internet, site, blog, pulsação. Agora mesmo, estou aqui, diante de um computador, numa lan house (estou na rua, sem meu netbook), digitando as respostas para você. Ao meu lado, tem um jovem bonito jogando um jogo esquisito (maior de idade, é claro). Já troquei o telefone com ele. Está vendo como a internet é importante? E melhora a leitura do mundo. Já falei para ele que sou escritor e ele me falou que ia ler os meus livros. Olha aí…
Você criou a Balada Literária em São Paulo e sempre está presente em diversas festas literárias pelo Brasil. Qual a importância desses eventos para a literatura?
Quanto mais a literatura estiver espalhada pelos quatro mil cantos, melhor para literatura, para os leitores. Eu idealizo e organizo, a duras batalhas, anualmente, desde 2006, a Balada Literária, que reúne artistas nacionais e internacionais pelo bairro paulistano da Vila Madalena. É uma festa. O escritor precisa estar ao lado do pastel e do provolone. Agora mesmo, já comecei a correria para a edição deste ano, cujo homenageado é o poeta Augusto de Campos. Eta danado! Vai ser de arrepiar. Apareça.
A FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty), não interessa mais para você? Por quê?
A FLIP me interessa, sim, e muito. Quem não me interessa é o Fernando Henrique Cardoso. Não fui à última FLIP por causa dele e por causa de um excesso de mesas sobre sociologia. Este ano, fui convidado pelo Itaú Cultural para levar à FLIP o meu projeto AUTORES EM CENA, em que um diretor de teatro é convidado para dirigir um autor em vez de um ator. No palco, teremos o Lourenço Mutarelli e o João Gilberto Noll, cada um em uma peça de 40 minutos. O Itaú é meu parceiro faz tempo (inclusive, é parceiro da Balada). O Itaú Cultural quer que eu vá de qualquer jeito. É um projeto meu. Devo ir, sim. Mas não estou tão animado com as mesas da FLIP. Devo ver uma coisa ou outra. Espero que a FLIP não faça como a Fliporto, aí de Pernambuco, que, um tempo atrás, levou o JOSÉ SARNEY. É disso que eu fujo. Festa assim com FHC, Sarney, não me pertence, entende?
Literatura, violência ou orgasmo?
Para combater a violência, mais literatura e mais orgasmo. Por falar nisso, já estou atrasado para a suruba lá no quartel. Fui e abraços.
Trecho inédito do livro Amar é Crime
– MÃE, ó, o meu plano é assim, uma viagem, vai vendo, eu sequestro a minha namorada, porque ela me traiu, quis me deixar, rá, aí eu trago ela aqui para casa, pela garagem, dou um tapa, jogo no sofá, esculhambo, vai vendo, bato, xingo ela de vaca, aí ela vai negar, tudinho, vai negar, rá, rá, vai dizer que me ama, aí eu, puto, é claro, não vou acreditar, quando ela der uma de santa e, de fininho, tentar ligar para chamar o pai, é quando eu pego na arma, saca, mãe, saca, ela vai fazer aquela cara, rá, ó, de susto, de choro, e aí eu esfrego bem no rosto dela o cano do revólver velho, também mostrarei uma faca que rasparei no cabelo da condenada, é, enquanto ela não me contar, sério, rá, rá, o que andou aprontando, ela, toda mulher é, sim, uma cadela, menos a senhora, mãe, que é de outro tempo, vai vendo, a viagem, ela, de repente, vai soltar um grito de socorro pelo buraco daquela janela, a safada, a selvagem, aí eu ataco ela, rá, rá, pela perna, dou um chute forte na barriga da bandida e ela desmaia, a desgraçada pensa que eu sou bobo, a fingida toda se fingindo, no mínimo, ora, e lá vai soco, mesmo com ela desacordada, jogo um litro de água suja na cara dela, ali, da privada, ela abre o olho, tosse, vomita mole alguma coisa, é quando eu ouço alguém bater na porta, pá, pá, é a senhora chegando, é, é, vai vendo, aí eu não dou bola, fecho a fechadura, forte, puxo o armário, faço uma barreira e peço que a senhora vá embora, rezar, rá, rá, que hoje a merda vai rolar […]
( Trecho do conto “Crime”, extraído do livro “Amar É Crime”,
de MARCELINO FREIRE, a ser lançado em julho pela EDITH )
O livro será lançado no dia 13 de Julho

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *