Por Ney Anderson
Painéis interessantes movimentaram o último dia da Fliporto. Logo no começo da manhã, Sônia Rodrigues, Maria Lucia Rodrigues, filhas do homenageado, e Adriana Armony, autora de um livro sobre a juventude do dramaturgo, compuseram uma mesa interessante para os aficionados nas obras e na figura de Nelson, com assuntos pessoais sobre a vida dele, mediadas pelo editor do Jornal Rascunho, Rogério Pereira.
Na mesa as mulheres de Nelson, as filhas e a biógrafa do autor, contaram casos interessantes. Foto: Agência Dupla Comunicação
O escritor e jornalista José Castello, junto com o teatrólogo Antônio Cadengue, trouxeram para o centro do debate as peças do Anjo Pornográfico. Castello comentou que seis palavras podem dar uma dimensão rápida para que se possa entender Nelson Rodrigues, fazendo uma clara alusão ao livro do escritor Ítalo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio, são elas: imaginação; modéstia; obsessão; amizade; serenidade e transcendência. Castello contou histórias engraçadas sobre o homenageado da Fliporto, uma delas ao que diz respeito a amizade. “Depois de uma entrevista que fiz com Nelson, ele passou a me ligar todos os dias, querendo saber coisas triviais, por exemplo, se eu já tinha tomado café. Comecei a ficar com muito medo disso, pensando que ele estava querendo me tornar um personagem deprimente em uma de suas obras”, brincou.
Castello contou sobre sua relação profissional com Nelson Rodrigues. Foto: Agência Dupla Comunicação
No debate seguinte, Barry Miles, biógrafo de artistas importantes como Paul McCartney, Charles Bukowski e Jack Kerouac, conversou com Carlos Figueiredo sobre literatura beat e contracultura, como foi ver de perto a criação de alguns desses artistas, como os Beatles, que ele acompanhou a gravação dos primeiros álbuns. Humberto Werneck, J. Rentes de Carvalho, com mediação de Silio Boccanera, tiveram a mais descontraída das conversas, sobre: Palavras, as implicâncias, as preferências e as esquisitices.
Barry Miles falou sobre a contracultura no Estados Unidos e Inglaterra. Foto: Agência Dupla Comunicação.
João Gilberto Noll, um dos maiores ficcionistas do Brasil, ganhador de cinco Prêmios Jabutis, teve uma participação estranha nessa Fliporto. Angariado para o tema: Literatura e convulsão, ele subiu ao palco do pavilhão principal para fazer a leitura de alguns livros, entre eles, Lorde, Acenos e afagos e Solidão Continental, esse último o trabalho mais recente do autor, que estava sendo lançado no evento. Noll começou a leitura com desconfiança dos presentes, pois o ritmo empregado por ele, desde o início, já apontava para uma esquisita transformação de todos os romances em um só, como se o mesmo personagem (um idoso gay, com a voz fraca e rouca) habitasse toda a obra. Pode até ser que sim, isso é possível, mas tentar convencer uma platéia, mesmo que reduzida, para um mergulho no texto com um ritmo lento de leitura, não foi a mais inteligente das escolhas. Depois de pouco mais de uma hora de leitura, ele se retirou do palco, com poucos aplausos, talvez sem entender, ou até constrangido, de não ter conseguido exprimir em voz alta, o que ele faz magnificamente bem com a palavra escrita.
Noll fez a leitura de alguns livros da autoria dele. Foto: Agência Dupla Comunicação
O responsável por encerrar mais uma edição da Fliporto, foi ninguém menos que Ariano Suassuna. Com o pavilhão lotado, tanto dentro quanto fora, o mestre do Armorial entrou em cena com o seu tradicional bom humor, contou piadas, causos e, claro, arrancou bastante gargalhadas da platéia. Ariano levou para o encerramento a Aula-espetáculo, denominada de O circo da onça pintada, que ele criou para levar ao interior do Nordeste. Dessa vez ele prestou uma homenagem para o compositor Capiba. Mas não faltaram histórias sobre Nelson Rodrigues, uma delas, a mais engraçada que ele contou, envolveu Dias Gomes, que também era dramaturgo. “Ele (Dias Gomes) publicou um artigo dizendo que na semana anterior tinha sentado em um bar, começou a beber, e chegou à conclusão de que era o maior dramaturgo do Brasil. Em resposta, Nelson disse que Dias Gomes não era o maior do Brasil, nem da Bahia (onde nasceu), nem no Rio de Janeiro (onde morava), nem na rua dele, tampouco dentro de casa, porque ele era casado com Janete Clair e ela ainda era muito melhor que Dias Gomes”, relembrou Ariano. Ele ainda fez um pedido para as autoridades que dessem o devido valor para Nelson, sugerindo a troca do nome da Avenida Presidente Kennedy para Avenida Nelson Rodrigues. “O que Pernambuco deve ao presidente Kennedy? Ele ser homenageado em Chicago e Nova Iorque tudo bem, mas por aqui? Não entendo”, brincou.
Ariano Suassuna homenageou o compositor Capiba. Foto: Agência Dupla Comunicação
Na aula-espetáculo, a apresentação foi acompanhada da banda composta por Antônio Madureira (violões), Elton do Nascimento (flauta), Jerimum de Olinda (percussão), Sebastian Poch (violoncelo), Isaar França (vocais) e Edinaldo Cosme (vocais). O grupo interpretou canções de Capiba e encerrou lindamente mais uma edição da Festa Literária Internacional de Pernambuco.
Na aula-espetáculo não faltou dança e boa música. Foto: Agência Dupla Comunicação
O tema do próximo ano da Fliporto será: A literatura é um jogo. O formato vai ser o mesmo desse ano, que irá dialogar literatura com esportes como o futebol, por exemplo, tudo isso aproveitando o momento de Pernambuco nas copas das Confederações e do Mundo, mas também ao universo do videogames, cada vez mais presente na vida dos brasileiros.