Na continuação do projeto Eu escritor, Raimundo de Moraes, em seu terceiro texto, explana sobre as novas tecnologias que podem facilitar muito a vida de quem pretende se aventurar pelos caminhos da ficção. São softwares bastante práticos que ajudam a organizar o material literário que vai sendo produzido. Uma ideia e tanto para quem deseja ser um escritor profissional. Nesse noivado com o ofício da escrita, o enxoval que precisa ser ampliado, segundo o autor, é o do marketing pessoal, através da divulgação, informação e troca de ideias. “o escritor é solitário no criar, mas precisa de um rebanho para sobreviver”, diz Moraes. Mais um artigo muito bem elaborado,que pretende fazer você sair do conforto da sua privacidade, e expor o que há de mais interessante: sua imaginação. Divirtam-se.

Por Raimundo de Moraes

Noivado

Olá, tudo bem? Como andam as narrativas, os poemas, a busca pela imagem e pela palavra ideal?

Seguindo a nossa paródia dos relacionamentos tradicionais, hoje é o dia do seu noivado com a literatura. Portanto, vamos às dicas do seu enxoval.

Ele basicamente será composto de todas as ferramentas que irão lhe auxiliar no seu desenvolvimento como escritor (a). Já demos algumas sugestões de leitura e agora avançaremos em itens como tecnologia e marketing pessoal.

Muitos escritores profissionais e iniciantes estão migrando para os softwares que ajudam na elaboração dos seus trabalhos. Eles auxiliam a separar capítulos, preencher fichas de personagens, cria cenários etc. Existem dezenas de programas muito bons, quase todos gratuitos como o Writer’s Café (simples e bem simpático com suas dicas de autores e produção de texto), o RoughDraft, o Scrivener, o yWriter (um dos campeões de downloads no mundo inteiro). Quais as vantagens de usar essas ferramentas? Bem, grosso modo, é a praticidade de ter suas pastas de projetos literários minuciosamente organizadas, sem tantos arquivos dispersos no PC. Alguns softwares específicos para escritores são tão bons que permitem anexos variados, como documentos, pesquisas, links, fotos, notas iniciais de futuros capítulos. Tem programa que até estabelece uma meta diária de palavras escritas. É uma mão na roda para quem quer se impor um pouco de disciplina ou pretende elaborar uma obra de fôlego.

Ah, quase esquecendo: para quem não curte usar blocos de anotações, para registrar alguma ideia interessante em momentos difíceis – dirigindo, ou no ônibus ou sei lá onde – pode baixar em seu smartphone algum programa que converta voz em texto, como o DSpeech. Ou simplesmente grave – quase todos os celulares já têm essa função – e depois digite quando tiver tempo. Mas por favor, se você não tem memória de elefante, acostume-se a anotar/gravar o que pode ser útil no futuro. Às vezes uma simples frase pode gerar histórias maravilhosas.

Outras ferramentas que aconselho ter sempre à mão – ou melhor, sempre disponível na sua máquina: um bom dicionário; um dicionário etimológico da língua portuguesa (existem versões gratuitas on-line); sites bem descomplicados para dúvidas de gramática (alguns escritores não ligam para isso, preferem deixar a revisão para terceiros); um disco virtual com senha e um HD para eventuais backup (você não vai querer que seu best-seller suma depois de um bug ou depois uma pane repentina, não é?).

Às sugestões anteriores de livros – confira no meu último post acrescente mais três que são dadas aqui como ferramentas: Dicionário de Termos Literários, de Massaud Moisés, Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos, e o Dicionário de Ideias Afins, da Edições de Ouro.

Ampliando o seu enxoval, vamos para a lista de divulgação, informação e troca de ideias. Lembre-se: o escritor é solitário no criar, mas precisa de um rebanho para sobreviver. Tente participar de fóruns online com outros escritores, oficinas, seminários. Caso você queira seguir uma carreira basicamente desenvolvida na internet, as possibilidades são muitas, mas os compromissos não devem ser fugazes. Um blog, por exemplo, deve ser alimentado com frequência, assim como seus perfis em todas as redes sociais que resolver aderir.

Junto com uma obra, o escritor deve construir uma imagem ou uma não-imagem – assim optaram os reclusos Dalton Trevisan, Hilda Hilst, Rubem Fonseca. O livro (digital ou impresso) é um produto cultural, e como todo produto, deve mostrar ao consumidor a sua procedência. A procedência é você, o que você tem a dizer e/ou o que já disse. Escolher o caminho do meio numa carreira literária – nem tão espetáculo, nem tão arredio – é uma opção que requer um profundo autoconhecimento e o domínio dos fundamentos básicos da diplomacia. Filosofando um pouco, podemos dizer que na nossa profissão, os extremos podem resultar em maravilhosos fogos de artifício (mas que se apagam depois) ou numa enigmática masturbação solitária – só quem goza é você.

Encerrando esta parte de ferramentas para o seu dia a dia criativo e já entrando na parte de exercícios, aconselho que você também leia poesia. Não gosta? Aprenda a gostar, pois existem milhares de bons poetas, encantados e vivos. Pesquise e encontre os seus prediletos. A boa poesia irá lhe ensinar o fogo extremo da síntese, do ritmo que nos fisga de maneira hipnótica e como uma simples imagem pode ter mil outras atrás dela. De vez em quando ler um poema, acredite, será como beber um copo d’água geladinho num dia de calor ou receber um abraço de uma pessoa que a gente ama.

Gostaria que você hoje criasse um personagem a partir de um poema e escrevesse a sua história. No Brasil existem bons poetas que usam o recurso narrativo com grande maestria: Adélia Prado, Drummond, Ferreira Gullar, Manuel Bandeira, entre outros. Você pode optar também por letras de música, pegar o personagem de uma canção, ampliar suas características e escrever uma trama, o esboço de um enredo. Alguns compositores da MPB são ótimos para esse exercício, como o Caetano Veloso, Chico Buarque e Noel Rosa.

Como incentivo ao exercício, vou lhe dar de presente uma ficha que foi utilizada num grupo de estudos no qual participo, chamado Autoajuda Literária. É uma ficha detalhada que realça uma característica importante nesse processo: o autor deve ter uma imagem nítida dos seus filhotes-criaturas. Isso irá ajudar muito nos passos seguintes, como criação de cenários e diálogos. http://pt.scribd.com/doc/139455979/FICHA-DO-PERSONAGEM-LITERARIO e baixe o arquivo.

Nas minhas oficinas de escrita criativa, para iniciarmos a discussão sobre personagens literários, eu gosto muito de usar a Ismália de Alphonsus Guimaraens:

 Quando Ismália enlouqueceu,

Pôs-se na torre a sonhar…
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar…
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar…

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar…
Estava perto do céu,
Estava longe do mar…

E como um anjo pendeu
As asas para voar…
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar…

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par…
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar…

Como seria a sua Ismália? E por que ela enlouqueceu? Eu já fiz a minha. Ela era hipocondríaca e tinha um cachorro. Mas isso é assunto para outra conversa.

Até a próxima.

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