Por Ney Anderson

Um bom passatempo. Assim pode ser definido o novo romance do escritor Santiago Nazarian, Garotos Malditos (Record, 256 pgs. R$29,90) um livro produzido por incentivo do Programa Petrobras Cultural. Esse é o primeiro livro juvenil do autor, por isso o “cuidado” de não tornar as coisas mais difíceis em termos de linguagem. O enredo é simples: Ludo, um garoto problemático, é matriculado no Colégio Pentagrama, depois de ter sido expulso do anterior. Mas não é um colégio normal. Lá estão matriculados zumbis, vampiros, lobisomens e vários outros monstros. O protagonista tem de se adaptar aos novos “colegas”, não só por ser um local novo para ele, mas para sua própria sobrevivência. 

O interessante nesse romance é a tentativa do autor em aproximar novos leitores dos temas que sempre foram sua marca: despertar da sexualidade; homoafetivade; rock alternativo; cultura pop etc. A utilização de monstros soou como uma alegoria das descobertas dos jovens e dos obstáculos enfrentados no começo da adolescência. Mesmo com a aproximação simultânea deles nas redes sociais; as facilidades em encontrar respostas mais rapidamente; as relações amorosas sem as dificuldades do século passado, estão cada vez mais urgentes e sem rumo.

Escrever uma história de terror para um público específico pode parecer fácil, por todos os clichês que são utilizados nesse tipo de texto, por se aproximar dos best sellers na linguagem simplória e sem um mínimo de sofisticação. Nada disso se aplica ao livro de Nazarian, um escritor consagrado com cinco romances e um livro de contos, no Garotos Malditos, apesar de utilizar uma linguagem coloquial e direta, alguns jogos narrativos são executados com maestria, como as descrições dos detalhes dos monstros:

 “ Encontrei uma carteira vazia um pouco adiante, e me sentei. A menina sentada à frente deu um estranho giro de pescoço. Oi – disse ela. Oi – Respondi, um pouco envergonhado. Ela foi se apresentar. Meu nome é C… – mas antes que pudesse completar a frase, soltou um vômito verde e viscoso em minha direção. Eu recuei, sem deixar de ser respingado.”

Precisa dizer qual o monstro em questão? As cenas de sexo, por exemplo, também não são reveladas totalmente. Em mãos menos hábeis poderiam virar um pastiche sem graça. Talvez um ponto negativo seja a utilização de marcações em boa parte do livro, tipo: “Disse meu pai; Respondeu minha mãe; Falei; Disse ao professor”. Nada que estrague o andamento. 

O maior mérito do livro foi, sem dúvida, a possibilidade do autor em criar uma boa história sem explicações demasiadas, mostrando que para o público juvenil de hoje(com toda as possibilidades da internet, das TVs sem restrições etc) não só desvirtuaria do objetivo principal, como poderia (com certeza) deixar o livro chato e enfadonho, o que é totalmente o contrário aqui. 

Nesse livro, ilustrado por João Lestrange, foi interessante observar um Santiago Nazarian contido, com o pé no freio, mais não menos inventivo e interessante.
______

Numa entrevista exclusiva para o Angústia Criadora, Santiago Nazarian fala sobre a seleção da Revista Granta; como cria seus personagens; sexo; literatura; oficinas literárias e muito mais. Confira:


Entrevista – Santiago Nazarian



Minha banda favorita é Suede, estou cagando para Beatles



Nazarian mora em São Paulo e também é 
tradutor. Foto: Divulgação
Sentiu alguma dificuldade em escrever para um público específico?
Eu não tive dificuldade em encontrar o tom, não tenho dificuldade em me comunicar com os adolescentes. Mas ter de manter esse tom, falar apenas com esse público específico, que já está distante de mim em idade foi um pouco difícil, porque em alguns momentos eu tinha vontade de atender necessidades mais pessoais, de falar coisas mais pertinentes à minha realidade, e isso não tem espaço no livro.
 A ideia de criar uma escola para monstros veio de onde, das suas preferências pelo gênero, ou por causa do mercado que esse tipo de livro alcança?
As duas coisas. Eu pensei objetivamente que tipo de livro eu poderia fazer para adolescentes, que vendesse e que fosse algo que eu gostasse e soubesse fazer. Sempre gostei de filmes de terror, desse universo trevoso – bem, meus livros “adultos” também tem uma pegada fantástica e sinistra – então foi conciliar. 

Pode-se dizer que o Ludovique (personagem principal do livro) é um Nazarian adolescente? Essa mistura entre o real e o ficcional realmente foi intencional, desde a ilustração que parece muito com você, até os gostos musicais, cinematográficos etc?
Talvez ele seja mais próximo de uma versão adolescente de quem eu sou hoje do que quem eu era quando adolescente. Eu era muito tímido. Não era alternativo. Só comecei a ficar mais gótico mesmo no final da adolescência. Até uns 16 eu era bem molecão, bem criança. A ilustração foi ideia do Lestrange. Acho que ele fez parecido comigo para que eu não tivesse como não aprovar, haha. O modelo que eu passei era o Pe Lanza, vocalista do Restart.

 Você falou recentemente que esse livro não é literatura, é entretenimento, quais as diferenças básicas entre as duas coisas na sua concepção?
Literatura é arte. Tem uma preocupação formal e conceitual profunda. Um livro de literatura trabalha a linguagem e a reflexão em densidade. Esse livro não; ele tem sua inteligência, traz questionamento e reflexões, mas são pertinentes a uma idade e são questões pontuais. E a linguagem é totalmente objetiva e coloquial.

O colégio Pentagrama é uma alegoria do ensino público brasileiro?
Não. Até porque, não conheço o ensino público brasileiro. É mais uma alegoria com a adolescência em si.

Os temas das suas narrativas sempre existiram antes mesmo de você escrever a primeira linha, ou vão surgindo na medida em que desenvolve o texto?
O tema central sim, sempre existiu. À medida que o texto desenvolve, surgem subtemas, questões paralelas.

 Garotos Malditos me soou excessivamente linear. Acredita que os jovens não entederiam ou achariam o livro chato se não fosse dessa forma?
“Excessivamente” é uma crítica negativa? Não acho que seja “excessivamente” linear; Feriado de Mim Mesmo foi feito para ser “excessivamente” linear. Nesse há alguns pontos de recuo, recapitulação. Gosto, por exemplo, quando ele narra o ataque do lobisomem à vizinha, que é uma cena que ele não viu, mas tem de imaginar. De todo modo, eu gosto de escrever histórias lineares, e acho mais difícil. A Morte Sem Nome, que foi o primeiro romance que escrevi, é absolutamente não-linear por falta de capacidade minha de contar uma história com começo, meio e fim. Ia surgindo as ideias dos suicídios e eu ia escrevendo, sem me preocupar com o fio narrativo.

Desenvolver um livro com o incentivo do Programa Petrobras Cultural criou alguma dificuldade, ou foi melhor por ter um prazo determinado para o término do projeto? Criou a dificuldade de ter de fazer o livro acontecer.Eu não tinha mais a opção de descartá-lo, abandoná-lo; eu tive de fazer a coisa dar certo. Isso foi difícil, mas foi ótimo como desafio.

Os personagens na sua literatura são uma marca, como surgiu isso, de pessoas que observa na rua, da sua própria idéia em criar figuras marcantes, de você mesmo? Como Cria o personagem ideial?
Acho que são pessoas que eu gostaria de conhecer. Tem de ser pessoas que eu tenha vontade de conviver diariamente. Claro que muito vem de mim, tem uma projeção narcisista aí, mas também tem traços de amigos e muito inventado. Enfim, os personagens são como edições de pessoas que eu conheço e de mim mesmo para criar um ser ideal para mim – e ideal até nos defeitos, nos fracassos. Eu realmente desenvolvi um carinho paternal pelo Ludo como não tenho por nenhum personagem. Até porque, hoje eu tenho idade para ser pai dele.

Sua maneira verborrágica de narrar é uma resposta irônica para os livros cada vez curtos, quando muito se fala na velocidade da internet, mídias sócias, que deixa pouco tempo para a leitura? Não é. A resposta irônica eu dou pessoalmente. É apenas meu modo de ser, meu modo de escrever. Eu sou um autor do exagero. Acho que a concisão é superestimada na literatura. Eu adoro a repetição, adoro expor as alternativas.

Outro aspecto que sempre gosta de trabalhar é com o despertar da sexualidade. É uma obsessão sua que ainda vai demorar em ser respondida ou entendida? É… pode ser. Eu acho fascinante. Trato mais da sexualidade masculina por ser homem, não por ser gay. Não entendo tanto da sexualidade feminina, mas às vezes me arrisco, como em “Trepadeira”, conto do Pornofantasma. Dia desses eu encontrei uma menina linda, que conheço há alguns anos, que sempre teve um rosto perfeitinho, um cabelo liso – e agora, de repente, o cabelo encrespou, a cara está meio desarmônica; era uma personificação perfeita da puberdade. Dei o Garotos Malditos na hora para ela.

Você se considera um autor “esquisito” ou “diferente” por escrever sobre temas caros no Brasil, como por exemplo: zumbis; assassinatos; sexo; homoafetividade? Ou por falar sem “papas na língua”?
Vamos lá: zumbis e homoafetividade não são temas meus, são coisas que aparecem em meus livros bem num pano de fundo, talvez a homoafetividade ainda mais no fundo do que os zumbis. Eu sou homossexual e a homossexualidade obviamente transparece, mas a questão afetiva em si, amorosa, é algo que não me interessa. O amor não é um tema para mim. Já sexo e assassinato são temas populares, não sou lá muito diferente em tratar disso. Eu me acho diferente por outras questões.

Como definiria o “Modo Nazarian de Escrever” ? Existe uma rotina, ou só começa a escrever quando a ideia está totalmente amadurecida?
Há alguns anos que eu tenho escrito ao acordar, acho a melhor hora. A maturidade da história é variável. Às vezes sento só com uma ideia inicial. Às vezes fico meses elaborando mentalmente um esqueleto, faço anotações. O Prédio, o Tédio e o Menino Cego foi um livro muito bem construído, muito arquitetado, eu sabia quantos capítulos teria e mais ou menos o que aconteceria em cada capítulo, antes de começar a escrever. Garotos Malditoseu tinha a linha da história, tinha o final.


Um dos seus grandes amigos é o Marcelino Freire, um oficineiro nato. Por que não acredita em oficinas literárias?
Porque não acho que todo mundo pode ser escritor. E a oficina meio que promete isso: VOCÊ TAMBÉM PODE SER ESCRITOR! Acho que algumas coisas podem ser aprendidas, mas é preciso nascer (ou ser criado) com uma inclinação específica. E acho desonesto você ficar incentivando pessoas que você vê claramente que não têm vocação. 

Ficou realmente chateado por não ter entrado na Revista Granta? Essa discussão de listas realmente é válida?
Fiquei MEGA chateado. Não é questão de listas, de prestígio, de vaidade, é da repercussão internacional que tem a revista. Com um selo Granta é mais fácil ser vendido, traduzido, convidado no exterior. Bom, esse povo nunca gostou muito de mim mesmo, né? E não foi surpresa. Qualquer um que não fosse tão acadêmico, integrado, sério e de bom gosto, foi excluído. Um crime a Ana Paula Maia não estar, por exemplo. Mas nós estamos na fronteira da literatura de gênero.

Qual texto enviou?
Eu enviei um conto inédito, muito próximo das coisas que fiz com o Pornofantasma. Se eu tivesse sido escolhido, podia levantar os braços e dizer: Uh-hu, entrei com um texto de terror. Mas talvez não tenha entrado por isso. (se eu tivesse, dito) Mas enfim, é um conto em que eu acredito muito, mandei antes pra minha agente. E é uma ótima história. Tanto que decidi (depois da Granta) transformar no meu próximo romance.

 Já existe um título?
Não quero dizer o nome não, porque vai ser o nome do meu próximo romance, É um bom nome. Mas é na mesma linha. É bem próximo dos meus mais recentes fracassos. Haha. É Absolutamente não-linear. Sem protagonista. Passado no litoral de Santa Catarina. Thomas Schimidt (personagem dos primeiros livros de Nazarian) é um vendedor de churros. Isso.


Poderia ter escrito algo mais “comercial” para a Granta.
Se eu investisse no que a Granta mais gosta, não me faria mais rico, não me faria mais feliz. Então o importante é eu fazer o que eu acredito, e tentar dar certo com isso. Eu não posso dizer que 
não   deu certo até agora. 

Alguns autores que não entraram, ai incluído você, ficaram (acredito) mais em evidência por não terem entrado. Toda uma discussão aconteceu por causa dos nomes que não foram publicados.

Não sei. Aqui. Lá fora, o povo acha que isso é o que há de mais bacana. Enfim, eu fiquei muito chateado com isso. Até porque, já fui aceito pelo meio literário quando o povo não me conhecia bem. Quando não puxei o saco de ninguém, e mantive peso/altura e, principalmente, coloquei zumbis nos meus livros, o povo começou a achar que eu não era literário. Hoje sou mainstream para o povo da literatura fantástica, esquisito para a literatura convencional. Na verdade, eu nâo contesto muito a escolha da Granta. Acho que todos os DE RESPEITO que deveriam estar, estão. Contesto o contrário, que não há nenhum nome um pouco mais ousado.

Acha o meio literário interessante?

É um meio muito mais burro, previsível e restrito do que deveria ser. Mas enfim, isso é um meio. 

Como foi a experiência de ter um livro adaptado para o teatro( Feriado de Mim Mesmo)? Outros podem receber adaptações tanto no teatro quanto no cinema?
TODOS podem receber adaptações. A questão é os filhos da puta verem como eu tenho umas histórias do caralho, quererem adaptar e virem com propostas decentes. A adaptação do Feriado de Mim Mesmo foi ótima, graças a Deus. Eles foram extremamente fieis ao texto, mas fizeram a coisa deles cênica e visualmente; para mim foi lindo ver.

A arte que você consome é “estranha” da mesma forma da que escreve?
Claro. Porra. Dos meus autores vivos favoritos é o Dennis Cooper. Minha banda favorita é Suede, estou cagando pra Beatles. Prefiro Eduardo Dussek a Chico Buarque. Nunca fui de unanimidades. Não é uma escolha suave. Mas estou vivendo e viajando o mundo com isso. Então não posso dizer que deu errado. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *