Por Ney Anderson

O pintor David tem 78 anos. Só agora, depois de vinte anos, consegue contar uma história familiar marcada pelo sofrimento do filho Jacobo, tetraplégico depois de acidente de carro, que escolhe a eutanásia como forma de colocar um fim em tanta dor. A escolha do filho tem um efeito direto em todos os membros da família e nos amigos próximos. Jacobo viaja com o irmão e alguns amigos para um lugar dos Estados Unidos para realizar o procedimento. Enquanto isso, o pai David, a mãe Sara e outras pessoas próximas, aguardam ansiosamente o término, ou não, dessa história de dor. Esse é o pano de fundo da novela A luz difícil (Editora Bertrand Brasil, 126 páginas, R$ 30), do colombiano Tomás González, até então inédito no Brasil.

O livro retrata um drama contado a partir das lembranças de David, já um homem velho e com a visão cada vez pior, que mora apenas com a empregada, o filho dela e o jardineiro. A esposa Sara já morreu e os poucos amigos que restam estão em asilos. O que mais impressiona no texto é a maneira bem particular de falar sobre a morte, com uma pureza enorme. A emoção da história acontece justamente por conta da naturalidade com que David narra essa situação tão dura. Sem forçar a barra, Tomás González faz um paralelo entre a vida e a morte, o desconforto, lógico, que ela proporciona, mas também o alívio, que vem em momentos de muita aflição como no caso de Jacobo.

Nesse livro o protagonista/narrador tenta justificar as escolhas de cada um, e fala sobre a própria história como artista, que desde cedo sempre buscou o tom certo para suas obras, a cor ideal para cada pincelada. González deixa claro que a obra de um artista nunca passa imune dos acontecimentos ao redor. O que não quer dizer que a interferência seja ruim. Nada disso. Daí vem o título muito bem escolhido. A luz difícil é aquela tonalidade certa, rara, que um pintor busca para um quadro, mas que não aparece imediatamente. O artista precisa amadurecer para encontrar essa luz. Da mesma forma que o próprio David precisou amadurecer para poder contar a sua história íntima.

A prosa é limpa, sem grandes dificuldades na leitura, mas a experiência com esse texto é profunda e original. A luz difícil é um desses livros que transmite um prazer enorme no leitor. Tomás González prova que se a morte não pode ser evitada, a literatura, ou a arte em geral, existe exatamente para isso, para confrontar esse lado obscuro. Passado e presente se misturam perfeitamente nessa novela, como numa leve pincelada que desvenda os segredos por trás dos artifícios. Tudo aqui é feito com a delicadeza de uma pintura, com um pincel firme, através do olhar atento de um vigoroso escritor. A luz difícil veio para lembrar que ainda é possível ter prazer com a leitura de um bom livro. Essa é uma pequena obra prima.

 

 

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