Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

 

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Roberto Menezes é paraibano. Nasceu em 1978. É professor da Universidade Federal da Paraíba. Faz parte do Clube do Conto da Paraíba. Tem sete livros publicados: Pirilampos Cegos (romance), O Gosto Amargo de Qualquer Coisa (romance), Despoemas (contos) e Julho é um bom mês pra morrer (romance) e Palavras que devoram lágrimas (romance), Conversa de Jardim, de coautoria com Maria Valéria Rezende e Trago Comigo as Dores de Todos os Homens (romance).

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O que é literatura?

Pra mim, literatura é uma forma de arte como qualquer outra arte. Um grande circo.

O que é escrever ficção?

Ficção é tentar romper com a realidade mesmo está acorrentado a ela. Aquela velho papo de trabalho de Prometeu.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Escrever é sempre um ato político. Não importa o que se escreva. No meu caso, vim de uma família muito pobre e se hoje, escrevo e publico, só aí há um ato político.

Você escreve para oferecer o quê ao mundo?

Uma boa leitura. E que o foi lido fique na mente de quem leu. Não gosto de escrever sobre o que não fede e nem cheira.

O que pretende tocar com a palavra literária, com a ficção?

Eu gosto de falar do meio que eu vivo. Do que vi e tenho experiência pra falar. Não me vejo tomando espaço em lugares que desconheço. Mas gosto de sempre lembrar, literatura é liberdade, é campo de voo livre. E mais uma coisa, apesar de me preocupar muito com o que é digo, meu zelo maior é pelo como é dito. Sou um doido da linguagem. Do ritmo, das pulsações.

Um mundo forjado em palavras. Se o tempo atual pudesse ser resumido no título de um livro, seja ele hipotético ou não, qual seria?

É sempre recomendável perceber claramente a nossa ignorância.

Frase de Darwin.

A incompletude faz parte do trabalho do ficcionista? No sentido de que nunca determinado conto, novela ou romance, estará totalmente finalizado?

Antes eu pensava assim. Hoje vejo que isso é muito romântico. Olho pra trás, e vejo que meus livros estão bem terminados. Os dois primeiros, por exemplo, eu já pensei em reescrever por achar eles fracos. Mas aprendi a respeitar a época da escrita. É um documento meu como escritor. A exceção que dou é pra Palavras que Devoram Lágrimas, romance que eu reescrevo e publico de tempos em tempos, mas aí é um projeto genético. Todo lançamento é um novo livro. E pretendo relançar novamente no futuro com outra reescrita.

Qual o pacto que deve ser feito entre o escritor e a história que ele está escrevendo?

A verdade. Panos quentes sempre esfriam qualquer história.

O que pode determinar, do ponto de vista criativo, o êxito e o fracasso de uma obra literária?

Êxito e fracasso são coisas bem relativas. Não consigo opinar. Só sigam.

Como surgiu em você o primeiro impulsivo criativo?

Sempre quis criar. Minha mãe é costureira. Ela fazia as encomendas dela. E eu ficava no pé dela. Com os retalhos. Fazendo almofadas de mil faces. Foi daí.

As suas leituras acontecem a partir de quais interesses?

Eu leio o que gosto. Ou que sou obrigado pela profissão. Gosto de ler os amigos e amigas primeiro. Priorizo escritores de editoras independentes. E confesso uma coisa, só compro livro de editora do tipo Todavia, Record e Companhia quando são livros de amigos. Se não for o caso, gasto o meu capital com editoras menos comerciais. Ah, Stephen King é a exceção.

Escrever e ler são partes indissociáveis do mesmo processo de criação. Como equilibrar o desejo de ler com o de escrever?

Pra mim são atividades perpendiculares. Sempre ponho a escrita na frente da leitura. Essa é a minha prioridade. E no meu caso é bem desiquilibrado. Mas cada um é cada um. Cada qual é cada qual. Também tem outra coisa né? Leitura é leitura do mundo e não só dos livros.

Um escritor é escritor 24 horas por dia? É, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição?

Eu sou. Pra mim literatura e física tão ligados vinte e quatro horas dentro da minha mente. Às vezes cansa, confesso. Mas gosto. Só não sei até quando. Enquanto isso vou escrevendo.

O crítico Harold Bloom falava sobre o fantasma da influência. Você lida bem com isso?

Lido sim. Comecei copiando os mestres. A gente tem começar de algum lugar. Devagar a gente vai achando os nossos próprios defeitos. E vai se estabilizando quanto a isso.

O escritor sempre está tentando escrever a obra perfeita?

Como físico, bem sei que não existe isso de perfeito. Não sei se a palavra é perfeição. Acho que ideal é uma palavra melhor. Mas tem uma hora que a pessoa tem que parar e perceber que o que tá escrito está escrito. Se alisar demais um texto, vai ficar com um tom artificial. Não estamos no campeonato mundial de escrita, escrevemos e só. Cada um do seu jeito.

Como Flaubert disse certa vez, escrever é uma maneira de viver?

Acho que sim.

Quando você chega na conclusão de que alcançou o objetivo na escrita (na conclusão) da sua história?

Quando eu imprimo leio. E vejo que seria um lia que eu compraria e daria de presente.

A literatura precisa do caos para existir?

Como toda a arte, a aleatoriedade é fator essência à criação. O ir e vir nas dúvidas, nas obsessões, nas lacunas, nos excessos. Tem coisas que fogem à compreensão de quem escreve mas mesmo assim compõem um texto. O caos também tem ordem. E viver dentro dele durante o processo de escrita nos leva a encontrar padrões e coerências onde tudo, à primeira vista, parecia ruído.

O escritor é um eterno inconformado com a vida?

Não sei se com a vida. Acho que o escritor é alguém que quer transmitir uma visão de mundo através da linguagem. Quando digo visão de mundo, é mais além do que a sua visão. O escritor é um observador. É dessas observações, o seu momento, que ele quer passar.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

– Será que esta maldita floresta não tem fim? – perguntou Thorin.

– Alguém precisa subir numa árvore e ver se consegue enxergar por cima das copas. A única maneira é escolher a árvore mais alta sobre a trilha.

É claro que “alguém” queria dizer Bilbo. Eles o escolheram porque, para obter algum sucesso, quem subisse precisaria erguer a cabeça acima das folhas mais altas, e, portanto, tinha de ser leve o suficiente para que os galhos mais altos e finos pudessem sustentá-lo. O pobre Sr. Bolseiro nunca tivera muita prática em subir em árvores, mas eles o levantaram até os galhos mais baixos de um enorme carvalho que crescia bem na trilha e, assim, ele subiu da melhor maneira que pôde. Abriu caminho através dos galhos entrelaçados, levando muitos golpes nos olhos; a casca envelhecida dos galhos maiores deixou-o esverdeado e encardido, mais de uma vez escorregou e quase não conseguiu segurar-se a tempo, e, finalmente, depois de uma terrível batalha, num ponto difícil onde parecia não haver nenhum galho conveniente, Bilbo chegou perto do topo.

Todo o tempo imaginava se não havia aranhas nas árvores, e como iria descer de novo (se não fosse caindo). No fim, enfiou a cabeça acima do teto de folhas e aí, sim, encontrou aranhas. Mas eram só aranhas pequenas, de tamanho comum, e estavam caçando borboletas. A luz quase cegou os olhos de Bilbo. Podia ouvir os anões gritando para ele lá de baixo, mas não conseguia responder, conseguia apenas ficar ali piscando.

O sol brilhava muito, e demorou um longo tempo até que conseguisse suportá-lo. Quando conseguiu, viu por toda a volta um mar verde escuro, agitado aqui e ali pela brisa, e centenas de borboletas por todos os lados. Acho que eram uma espécie de “imperador purpúreo”, uma borboleta que adora as copas das matas de carvalho, mas aquelas não eram nem um pouco purpúreas, eram de um negro aveludado muito profundo, sem qualquer marca que se pudesse ver.

Bilbo ficou observando os “imperadores negros” por longo tempo, e apreciando a sensação da brisa em seu cabelo e seu rosto, mas, por fim, os gritos dos anões, que agora simplesmente sapateavam de impaciência lá embaixo, fizeram-no lembrar de sua verdadeira missão. Não adiantava. Por mais que olhasse, não via o fim das árvores e das folhas em nenhuma direção. Seu coração, que se alegrara com a visão do sol e a sensação do vento, voltou a mergulhar no mais profundo desânimo: não haveria comida lá embaixo quando descesse.

O Hobbit, R. R. Tolkien

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

A Bíblia.

Qual a sua angústia criadora?

Contar as histórias que tenho pra escrever.

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