Por Ney Anderson

Deco Ramone é um redator cinquentão freelancer, para não dizer falido. Enfrenta questões pessoais complicadas, como a mudança da filha e da ex-esposa para São Paulo, muito distante da Bahia onde sempre morou. Além disso, precisa organizar o caos financeiro que a sua vida se transformou, principalmente por conta da transformação que as novas mídias impuseram às agências publicitárias e, consequentemente, aos profissionais da área. Muitos deles, como o próprio protagonista, desempregados. Surge, então, uma oportunidade incomum para Deco. Fazer um roteiro publicitário para um puteiro que só atende gente feia, deficientes físicos e mentais. Os excluídos do padrão de normalidade. O objetivo do proprietário é expandir o negócio, que funciona apenas em Feira de Santana.

Sexy Ugly (editora Mondrongo) é o nome da boate e também o título da novela do escritor Paulo Bono. O enredo se passa em uma Bahia noir, e por isso mesmo violenta, com personagens do submundo, mulheres sensuais ao melhor estilo das femme fatales, recheado de palavrões, sem nenhuma amarra ética e moral dos bons costumes. Aliás, este não é um livro para corações puros.

Deco, apesar de ser considerado gênio publicitário por alguns, não consegue produzir o roteiro, por não ter ideia para executar. O famoso branco. Mas precisa entregar o material o mais rápido possível, pois começa a sofrer ameaças de morte do contratante, que lhe adiantou uma considerável quantia.

O livro é dividido entre às voltas do protagonista na busca por inspiração; a iminente despedida da filha e as lembranças do protagonista no mercado publicitário no começo dos anos 1990 até os tempos atuais. Mas com um panorama pouco ortodoxo (e nada glamouroso) do mundo publicitário e dos bastidores da profissão. É o lado B da publicidade. Quase como uma realidade invertida (ou alternativa). Ainda existem as cenas dos sonhos do protagonista, com personagens conhecidos surgindo, a exemplo de Samuel Jackson, em situações de ação tragicômicas, iguais às do próprio Deco Ramone.

Tudo isso embalado em um texto pop descritivo, onde nada passa despercebido da lupa do protagonista. Além de ser totalmente irônico e engraçado. Não é difícil se pegar sorrindo em vários momentos da leitura. Mas um sorriso nervoso, porque tem também muita revolta na vida de Deco Ramone. Nada foi fácil para ele. Ele é uma figura parte do submundo soteropolitano.

“Às vezes acho minha vida uma piada de mau gosto”

A diversão, no entanto, é a tônica na maioria das linhas do livro. Com diálogos curtos e bem construídos, capítulos pequenos e objetivos, Sexy Ugly é ágil, de muita ação, por vezes pornográfico, melancólico e sem tempo para grandes reflexões. Porque a própria crise existencial do protagonista está justamente na superfície. Ao olho nu.

Sexy Ugly é uma novela noir, com desenvolvimento original. Não apenas por ser ambientada em território brasileiro, mas por utilizar uma linguagem com elementos próprios, sem “estrangeirar” a narrativa. É possível ver, por exemplo, a Bahia sob outro prisma, mas com a musicalidade marcante da fala. Além do mundo da publicidade como aspecto central do texto, recheado pelo trânsito de figuras estranhas. Nada é “normal” no enredo, na verdade. O estranhamento existe desde a primeira linha.

Paulo Bono comprova que um texto de ficção não precisa ser sisudo para ser bom. Sexy Ugly mostra que isto é totalmente possível. Embora não seja um romance para salvar o mundo (qual salva?), a história proposta pelo autor tem a principal função fazer sorrir. Nesse caso, da desgraça alheia. E alcança o seu objetivo com sucesso. Já que Deco Ramone é um perdedor nato. Acompanhamos as suas desventuras acreditando que, no fundo, no fundo, nada está totalmente perdido.

“Existem o lado A e o lado B da publicidade. O lado A é a superfície, o mainstream, a festa, as bolinhas de sabão. O lado B é a sombra, o avesso, a lama, a porta dos fundos. O lado A traz a faixa comercial, como queremos que nos ouçam ou nos vejam. O lado B é o risco, uma roleta russa, talvez o verdadeiro lado. Enquanto o lado A senta com os amigos pra uma cerveja, o lado B está no banheiro matando uma carreira. Enquanto o lado A estampa os outdoors e frequenta os churrascos de domingo, o lado B pode levar ao suicídio sem ninguém perceber. O lado A é papai-mamãe. O lado B está escondido no Xvídeos”.

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