Por Ney Anderson

 

Após dezesseis anos da publicação de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, Marçal Aquino retorna com o romance policial Baixo esplendor (Companhia das Letras), ambientado em 1973, no auge da ditadura militar, quando o policial Miguel, do setor de inteligência da Polícia Civil, se infiltra em uma quadrilha poderosa que opera no sul/sudeste do país para desarticular uma série de crimes de roubo de cargas.

Mas a operação não é tão fácil como Miguel imagina, porque ele acaba se envolvendo com Nádia, a irmã de Ingo, chefão da quadrilha, e começa a se questionar, e ser questionado pelos superiores, se o trabalho dele não será afetado com esse envolvimento amoroso.

Mas não apenas isso. O livro toca em aspectos importantes. Principalmente a criatividade do autor em nos mostrar como funciona, por exemplo, o roubo de carga, os vários personagens criminosos que fazem parte da quadrilha, cada um deles com uma função específica, toda a articulação em torno dos crimes e como o trabalho da inteligência da polícia precisa ser meticuloso, demorado, justamente para não acontecer erros.

Baixo Esplendor é um romance ágil, com personagens bem construídos, dentro de uma trama que realmente prende o leitor. E ainda mais, porque o escritor Marçal Aquino é mestre em adicionar elementos variados dentro dos seus textos, tornando-os ainda mais densos, como questões existenciais injetadas neste romance, passados mal resolvidos e, claro, toda a sensualidade da prosa do autor, com os envolvimentos amorosos que ele cria entre os personagens, deixando o livro ainda mais interessante.

Este novo livro é uma trama muito bem montada, com elementos surpresa que deixam o leitor também desconfiado, esperando os próximos acontecimentos. O autor se utiliza de muitas digressões e flashbacks, que ajudam a encorpar a história. Dando biografia e um passado ao policial Miguel, aproximando-o bastante do leitor. Claro, também com algumas reviravoltas e mortes.

Nessa história que se passa em São Paulo, onde são utilizadas algumas expressões antigas que cabem bem e não dificultam a leitura, acompanhamos todos os meandros do submundo do crime, preenchida por sub-tramas, mostrando as contradições dos personagens, os receios e as dúvidas. Sobretudo o protagonista, que atua com a desenvoltura dos melhores investigadores, mas se culpa por não ser tão frio no campo sentimental. Os personagens secundários enriquecem bastante o texto, por que não são peças soltas, eles ajudam a criar aspectos importantes dentro da narrativa. Como o envolvimento com Nádia e o Moraes, o apadrinhado de Ingo.

Marçal conduz muito bem a história, não solta o fio narrativo em nenhum instante, consegue equilibrar bem o objetivo principal do enredo, que é a desarticulação da quadrilha, e a elevação do que está sendo contado em algo maior. A sempre difícil tarefa de mostrar como funcionam as engrenagens criminosas. A narrativa é muito movimentada, com ação sem parar. Tudo isso, claro, com o toque fino proporcionado pela ficção do autor.

Baixo Esplendor é um livro com uma visão em 360 graus de uma investigação policial, com os vários meandros e os personagens secundários que ajudam a dinamizar a história. Essa humanidade no texto, inclusive, é muito boa. Os personagens centrais estão envolvidos em relacionamentos complicados, como o próprio protagonista Miguel, um policial que também é afeito a leituras e álcool

É uma prosa que resvala no erótico, mas que exala mesmo sensualidade.  É um texto movido por ação, com a artimanha da contradição humana e todas as suas falhas, que por vezes se sobrepõe à exatidão de uma operação bem planejada. A política, não poderia ser diferente, faz parte das sub-tramas de Baixo Esplendor, com agentes públicos interessados na própria carreira a partir do sucesso na desarticulação da quadrilha, mas nem sempre tão corretos como é de se esperar em pessoas que combatem o crime.

De maneira geral, algo que ficou desarticulado na ideia central do texto foi a opção de ambientar o enredo em 1973. Não tem função, a não ser no clima sombrio que paira no ar, na atmosfera de medo e tensão, além de certa nostalgia de um passado onde circulavam pelas ruas Opalas azuis, Corcéis, Gordinis, Aero Willys. Onde os filmes de Mazzaropi eram sucesso, também a lembrança do lançamento de Toda nudez será castigada, as boates embaladas ao som de Love me or leave me alone, de Dennis Yost, e na televisão Sonia Braga dançando ao som das Frenéticas. E no meio político,  recordações do regresso ao país de um ex-presidente deposto, encerrando um exílio de quase uma década. Essa data, (auge da ditatura), ressaltada na sinopse, poderia servir melhor aos propósitos do enredo.  Mas isso não chega a ser um problema.

Baixo Esplendor conseguiu, entretanto, unir o existencial com um forte tom sensual, tão característico na prosa do autor. De uma forma leve, e de leitura agradável, passear pelas páginas deste novo romance de Marçal Aquino foi como embarcar naqueles romances policiais antigos, onde a principal preocupação do leitor não era terminar a leitura como o mais inteligente dos sábios, mas com um sorriso de satisfação por ter lido uma história realmente agradável.

“…Quando Miguel entrou no quarto, Nádia o esperava estendida na cama, molhando de saliva os dedos e manipulando os mamilos, vestida apenas com uma calcinha preta, que afastou para receber ali, na junção das coxas, os beijos dele, que começaram suaves — o roçar da asa de uma borboleta —, depois se intensificaram, se encresparam, se desesperaram…”

 

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