Crédito da foto: Ney Anderson

Por Ney Anderson

Lutar é um verbo que requer formas distintas de interpretação. Quando se fala em literatura, a luta acontece, obviamente, a partir da palavra, do que ela pode causar na defesa de um pensamento, da ação por um ideal. A injustiça social, por exemplo, pode ser o front de combate no qual o escritor tem a poderosa arma das palavras nas mãos para contestar a perversidade que ronda sempre os menos favorecidos. Em sua recente obra, A luta verbal (editora Iluminuras), do escritor Raimundo Carrero, é possível entender melhor a denúncia que ele faz, ficando ao lado dos que não têm voz. “Um grito de dor contra a fome, a miséria, o racismo, a discriminação e o preconceito de toda ordem ”, como ele afirma se tratar esse novo trabalho.

Carrero trouxe para a sua obra nomes clássicos e importantes da literatura, e também escritores contemporâneos, que se debruçaram (e se debruçam) de alguma forma contra a desigualdade e a realidade violenta brasileira. Jorge Amado, Graciliano Ramos, Lima Barreto, Marcelino Freire, Itamar Vieira Júnior, Jeferson Tenório, Sidney Rocha, Ney Anderson (editor deste Angústia Criadora), Nivaldo Tenório, Ronaldo Correio de Brito, Cícero Belmar, entre outros, são alguns dos nomes que compõem esse manifesto literário.

A luta verbal, na verdade, é um farto capítulo incluído nesta segunda edição de A preparação do escritor, lançado originalmente em 2009. Para esta nova edição, Carrero incluiu autores que tematizam as injustiças sociais que assolam o país, sobretudo prejudicando os invisíveis da sociedade. Através da análise da técnica dos escritores o autor disseca a literatura, investigando a escrita de obras como Vidas secas, de Graciliano, e Suor, de Jorge Amado, entre outras, mostrando os movimentos internos do texto, a criação dos diálogos, cenas e cenários, personagens, refletindo sobretudo a intuição de cada criador.

Esse estudo literário, aliás, não é de agora. Desde a década de 1980 Carrero tem feito o primordial e relevante trabalho de estudar de forma apaixonada as engrenagens da literatura, provocando pequenas revoluções em cada aluno amante da ficção. O autor vem mostrando em todos esses anos, acima de tudo, que escrever exige muita leitura, paciência, humildade e estudo. As aulas em sua prestigiada oficina literária acabaram se transformando no seu primeiro livro teórico, o já clássico Os segredos da ficção – um guia da arte de escrever (editora Agir 2005). Mas é na A luta verbal que o autor atinge o ápice, como ele mesmo diz, sendo este livro um dos mais poderosos.

A luta que o autor propõe aqui, no entanto, é parte significativa de sua obra desde sempre, iniciando em Bernarda Soledade, de 1974, um livro ligado ao Movimento Armorial, com o tom político bastante forte, patriarcal, onde as mulheres são guerreiras e não se deixam dominar. Os dois romances mais recentes, Colégio de Freiras (2019) e Estão matando os meninos (2020), acentuam o olhar ao país desigual e injusto, que mata crianças, negros e pobres das periferias, sem que justiça nenhuma seja feita.

Neste sutil e elaborado livro, Carrero reflete sobre a condição humana e a decadência da espécie. A luta verbal nos mostra que a literatura, não apenas passatempo, precisa estar em constante consonância com o que acontece ao redor, principalmente fazendo a crítica social por meio da ficção, sem ser panfletário. Servindo de espada para defender o homem da miséria humana,  fazendo o leitor a refletir, compreender e se incomodar verdadeiramente pelo sentimento (o sofrimento) da dor, que extrapola as páginas do livro.

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