Crédito: Cristina Cortez

Por Ney Anderson

 

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

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Carla Madeira nasceu em Belo Horizonte em 1964. Largou um curso de matemática e se formou em jornalismo e publicidade. Foi professora de redação publicitária na Universidade Federal de Minas Gerais e é socia e diretora de criação da Agência de comunicação Lápis Raro.  Em 2014, lançou seu  primeiro romance “Tudo é rio” , um sucesso editorial, recebido com entusiasmo pelo público e pela crítica. Em 2018 lançou seu Segundo romance “A natureza da mordida”. Em 2021, passou a fazer parte do time de autores da editora Record e lançará seu terceiro romance no final do ano.

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O que é literatura?

Linguagem escrita, com força estética e liberdade.

O que é escrever ficção?

É se entregar a uma escuta, emprestar o corpo para um outro falar e viver. E deixar que ele faça o que uma pessoa como ele faria. É se agarrar a uma situação, a um encontro, a uma paisagem, a um nada e lutar por ele.

Vocação, talento, carma, destino…..o escritor é um predestinado a carregar adjetivos que tentam justificar o ofício?

Há sim uma “força” que se impõe e junto com ela muito trabalho. Não é uma força mágica, mas é determinada. Exige que se dê a ela tempo, envolvimento, imaginação. Seguimos as pistas, a ideia insistente, ouvimos e acolhemos a perturbação. É um estado de alerta, de observação, de imersão que se topa viver. Há uma delícia imensa nisso.

Qual o melhor aliado do escritor?

O envolvimento. A curiosidade: onde isso vai dar? Salivar, querer estar ali fazendo aquilo.

E qual o maior inimigo?

O julgamento e o exibicionismo.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Viver é um ato político e acho que escrever não escapa de uma visão de mundo e da possibilidade de afetá-lo. Mas talvez, o ato mais político da literatura seja a liberdade de não ter de ser um acerto de contas ou um território pedagógico, ou crítica política ou reforma social. A boa literatura apenas sopra uma poeira e oferece o frescor de uma outra visão, muitas vezes de lugares conhecidos, um pequeno nascimento.

Quais os aspectos que você leva em conta no momento que começa a escrever?

Normalmente começa com o som, a linguagem, vou sendo perturbada por uma prosódia. Um jeito de falar. Vou tendo vontade de contar uma história com aquela voz. E a voz vai querendo os acontecimentos. Gosto da fabulação.

A literatura existe para entendermos o começo, o meio ou fim?

A literatura não existe para. A literatura existe. Será uma sorte se compreendermos um trecho. O legal da literatura é o tempo que damos ao outro, de conhecer as circunstâncias, os dramas de vidas diferentes da nossa, coisa que não fazemos muito bem enquanto vivemos. Nem sempre temos ouvidos a oferecer, julgamos muito rapidamente, classificamos, rotulamos. Na literatura ouvimos melhor, somos mais empáticos.

Se escreve para buscar respostas ou para estimular as dúvidas?

Eu acredito que não é a resposta que se busca ao escrever, mas exercitar as possibilidades. A busca de respostas pode produzir uma literatura cheia de clichês. Quando escrevo lido melhor com o fato de que não há certeza possível. Tudo é uma grande e potente simulação.

Criar é tatear no escuro das incertezas?

Sim. E também é tatear no claro das incertezas.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

Vou citar uma fala de Amós Oz sobre literatura que eu adoro: “Um boato dirá: “Oh, o homem está ficando velho!”. Um romancista medíocre escreverá: “A velhice é uma coisa tão triste!”. Mas Tchékhov pode escrever sobre um velho médico curvando-se para uma moça desmaiada, tomando seu pulso, erguendo-se e pronunciando estas três palavras devastadoras: “Eu esqueci tudo”.

É possível recriar o silêncio com as palavras? Como?

Acho desafiadora essa questão. Em meu segundo romance, A natureza da mordida, pensei muito sobre como fazer silêncio escrevendo. Como tantas palavras reunidas podiam fazer silêncio? Compreendi algumas coisas sobre isso, acho que se trata de dizer um pouco, o mínimo de alguma coisa muito significativa, suficiente apenas para que, ao se calar, através de outros assuntos, sinta-se ausência desse pouco. É o silêncio onde o “não dito” grita, enquanto o que está sendo dito pouco interessa.

Você acredita que qualquer pessoa pode escrever uma história? Mas, então, o que vai fazer dela escritora, de fato?

Qualquer pessoa pode escrever uma história, certamente, não sei se uma boa história. Ser um escritor (imagino que estamos falando de um bom escritor) é uma definição que vem de outros territórios e interesses: o mercado, os críticos, os leitores, os entendidos. O que faz um escritor ser um escritor? Ser lido? Ser aplaudido? Vender? Inovar? Afetar visceralmente uma única pessoa? Qual a medida? Penso que o escritor deve extrair o máximo de satisfação do ato de escrever. Essa é a melhor coisa que pode acontecer a um escritor, todo o resto será lucro. O que eu, particularmente, quero é ser arrebatada pelo processo criativo. Nada mais intenso.

É preciso saber olhar o mundo com os olhos da ficção? O mundo fica melhor ou pior a partir dessa observação?

Para mim fica melhor. Me sinto mais curiosa. Observo mais e isso me ocupa de um jeito gratificante. Julgo menos e disseco mais. Acho a realidade com mais imaginação do que qualquer ficção.

Todo texto ficcional, mesmo os mais extensos, acaba sendo apenas um trecho ou fragmento da história geral? Digo, a ficção lança o seu olhar para as esquinas das situações, sendo praticamente impossível se ter uma noção do todo?

Sim, é sempre um recorte.

Nesse sentido, uma história nunca tem início, meio e fim?

Estou terminando meu terceiro romance e ele vai se chamar “Vésperas” e coloca uma questão parecida com essa. O narrador diz alguma coisa como: “Fui longe demais para chegar vindo de trás e alcançar a véspera, da véspera, da véspera, da encruzilhada. O momento preciso em que tomamos ou somos tomados por uma direção e um belo dia…. ou um triste dia, somos o que somos.”.

Você escolhe os seus temas ou é escolhido por eles?

Eu escolho algumas coisas e ao escolhê-las sou tomada por outras. Há uma contabilidade permanente. Quando o autor faz uma escolha precisa lidar com algumas consequências. Caso contrário, vai mentir e ficção não é mentira.

É necessário buscar formas de expressão cada vez menos sujeitas ao cânone, desafiando a língua, tornando-a mais “suja”, para se aproximar cada vez mais da verossimilhança que a história pede? Ou seja, escrever cada vez “pior”, longe da superficialidade de escrever “certinho”, como disse Cortázar, talvez na tentativa de fugir da armadilha do estilo único?

Meu primeiro romance, Tudo é rio, tem uma prosa poética. No segundo, busquei uma linguagem totalmente diferente, bem mais cotidiana. Tenho muita facilidade com as palavras, com as sínteses, com a frases bem construídas, mas o que pode ser uma qualidade, pode se tornar uma armadilha. Fico atenta. Gosto de perder o fôlego com a beleza de um livro sem encontrar nele uma frase a ser grifada. Isso me interessa muito.

Quando é que um escritor atinge a maturidade?

Outro dia, ouvi Mia Couto dizer que a maturidade como escritor veio no aprendizado de uma certa contenção. Entendo o que ele diz e faz sentido para mim. Não tem que está tudo lá, naquele livro.

O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?

Quando reescreve o livro a partir das vozes que tem dentro de si.

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

Grande Sertão Veredas. O livro que sempre é outro ao ser relido.

Qual a sua angústia criadora?

Aceitar que uma história rompa a inércia para existir. Começar.

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