Nesse novo artigo de Raimundo de Moraes para a coluna Eu escritor, ele já chegou ao casamento, digo, amadureceu a ideia do jovem autor em assumir um compromisso com a literatura. Casamento é coisa séria. E aqui, esse pacto é com o projeto literário. Não é para aqueles que escrevem com intervalos longos ou acham que a impressão do livro é a coisa mais importante. “Até que a morte nos separe”, é a máxima de qualquer enlace matrimonial. Não apenas palavras ao vento. Tudo bem que existem muitos cafajestes por aí, que casam por causa da noiva que está grávida (ainda existe isso?!), por conta da herança da futura esposa, por modismo etc. Mas tal qual a companheira, a literatura é exigente, pede empenho, exclusividade e amor. E você, está pronto para subir ao altar?

Por Raimundo de Moraes

Não está tocando a Marcha nupcial. Os sons são variados, de acordo com a imaginação de cada um. Não é propriamente uma igreja, mas um templo onde vão rezar ou fazer homenagens à esperança. Padrinhos e convidados parecem personagens de ficção. Duas crianças fofas levam as alianças.

Querido(a) escritor(a), dizem que hoje é o dia do seu casamento com a Literatura –  um ser multiforme e, em sua essência, sem sexo definido. Um casamento interessantíssimo, pois o bolo da festa é em formato livro, assentado numa grande mesa cujo tampo é um espelho.

Casamento é sinônimo de compromisso. O seu é teoricamente putativo –  não é safadeza, apenas pode ser dissolvido quando os cônjuges assim o quiserem –  e muito maleável em questão de fidelidade. Na minha cabeça, compromisso com a Literatura quer dizer muitas coisas e uma delas se chama projeto literário, que é o tema central deste post.

Quando o Ney Anderson me convidou para dar uma contribuição na oficina Eu escritor, pensei desde o início me dirigir àqueles que pensam em fazer da atividade literária uma parte importante de suas vidas, e não aqueles escritores que escrevem um texto hoje e outro daqui a seis meses ou um ano; não aqueles que acham bonitinho imprimir seus livros e distribuir para amigos e familiares.

Bem, além da prática, muita prática, para que tudo possa ter valido a pena ou ganhar consistência, é necessário que você forme uma base através de um projeto literário. Existem dois: o de uma vida e o de uma obra. Clarice Lispector, alguns anos depois de lançar seu primeiro livro, Perto do coração selvagem, disse: ao publicar o livro, eu já programara para mim uma dura vida de escritora, obscura e difícil. Marcel Proust, depois de exercitar seu lado contista, ensaísta, poeta e tradutor, já beirando os quarenta anos de idade decidiu investir num projeto maior: para evitar ruídos, revestiu de cortiça todo o seu apartamento em Paris e – entre uma crise e outra de asma – escreveu o seu monumental Em busca do tempo perdido. E morreu no mesmo ano que redigiu a última frase de O tempo reencontrado, obra que encerra essa longa narrativa dividida em sete volumes.

Na arte, planejar e criar métodos não é só coisa de escritor. Chopin dedicou-se com detalhes à criação dos seus Noturnos, Toulouse-Lautrec fez pesquisa de campo para retratar os bordéis parisienses e Pasolini trabalhou obsessivamente para formar a sua Trilogia da Vida, composta por Decameron, Os contos de Canterbury e As mil e uma noites.

Vou dar um modesto testemunho pessoal. O Baba de moço, do meu heterônimo Aymmar Rodriguéz, é um projeto que abrangeu várias coisas, entre elas resolver um problema comigo mesmo – pois eu nunca quis publicar livro solo – e imprimir no papel a ideia de uma poesia-degustação, destinada ao paladar adulto e com sabor agridoce. A (editora) Livrinho de Papel Finíssimo topou a ideia e lá fui eu. Da concepção inicial ao lançamento houve um trabalho de cozinheiro – ou de carpinteiro, como queira – para que tudo saísse do jeito que eu queria.

Com esses exemplos quero reforçar a necessidade de você ter um objetivo na sua produção literária. É um livro de contos temático? É um blog de textos híbridos e sem definição?  É um romance que segue alguma tendência atual? Então comece a formatar e dar um sentido a tudo isso. Mas não esqueça que projetos grandiosos demais requerem fôlego, técnica, pesquisa e muita, muita dedicação. Lembre-se de Proust.

Não se desespere em encontrar o “seu estilo próprio” de escrever. Isso virá com o tempo. Trace uma meta, divida em tópicos, identifique as principais deficiências (e trabalhe para solucioná-las), não delire buscando originalidades linguísticas e de conteúdo (isso pode até lhe travar), canalize seu trabalho para resultados. A dispersão caótica e a bagunça lhe parecem charmosos? Uma dica: os editores não pensam assim.

Este é um post para reflexão. Espero que lhe faça pensar e, obviamente, começar a agir depois de suas escolhas. Quase ia esquecendo: as duas criancinhas fofas lá do início do texto – que estão levando as alianças do seu casamento – chamam-se Persistência e Coragem.

Um abraço e até a próxima.

One thought on “Casamento”
  1. Arretado, Rai. Persistência e coragem, até que tenho. Mas querer um “projeto” seja do que for, de um aquariano, é foda…rs Acho que estou mais na linha de “um blog de textos híbridos e sem definição”. No entanto, você está certíssimo. Se se quer ser “escritor”, “profissional”, que as editoras te “comprem”, o caminho é esse, as regras são claras. É claro que sem qualidade literária não adianta regra nenhuma. Mas ando lendo muito o Pound, não o Pound do ABC de literatura, que acho um saco, mas o Pound de A arte da poesia (que tenho descoberto, tem muito mais a ver comigo). O diabo é que sou uma diletante. Não tenho projetos. Não me importo de ser publicada, nem vendida (minhas “obras”. Meu fôlego é curto. Portanto, jamais serei poeta ou escritora…rs Exatamente porque você tem toda razão, em cada vírgula deste artigo. Beijos

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