Receber críticas nem sempre é agradável, mas quando são construtivas o benefício pode ser enorme, depende de cada um aceitar ou não. No caso do aprendiz de artista a “crítica” precisa ser encarada com naturalidade, não existe, no primeiro momento, a música perfeita ou um texto ficcional sem erros. Sempre um detalhe pode ser melhorado, uma cena retirada, um diálogo inserido, para o bem do andamento do conto ou romance. Essas questões são apenas a pontinha do iceberg dentro de uma oficina literária. É sobre elas que Cícero Belmar fala em novo artigo para o Eu escritor. Muitos escritores ainda falam na tal musa inspiradora, na criação através do talento, que oficinas não servem para nada. Resumindo, dizem que não é possível ensinar a escrever ficção. Será que estão confundindo “aprender a escrever ficção” com “talento”? A história aqui é outra. As oficinas são um suporte para a pessoa que sempre gostou de ler e sente o impulso de querer escrever suas próprias histórias. Ela vai aprender como criar uma cena, cenário, diálogos. Coisas que já existem nos livros, que não são percebidos no princípio, justamente por conta da leitura comum, sem observação. Dizer que oficinas literárias não servem para nada é cair numa contradição vergonhosa. As boas oficinas mostram as opções que já foram feitas nos vários romances através dos séculos. As ferramentas existem, nem sempre são claras, cabe ao aprendiz de escritor descobrir nas entrelinhas e saber utilizá-las.

Por Cícero Belmar

 

Foto: reprodução internet

Existem várias oficinas literárias eficientes. São, no meu entender, as que contribuem para aprimorarmos nossas ideias. Estimulam a nossa criatividade. Mais do que simples dicas para cortar palavras ou evitar antigos vícios, as boas oficinas nos ajudam a imprimir o nosso pensamento, a nossa “alma”, no texto que pretendemos produzir. E nos ajudam a desenvolver senso crítico.

Antes que digam que eu estou olhando para o meu próprio umbigo, permitam-me dizer: sinto-me muito à vontade para falar de uma oficina chamada Autoajuda Literária. Somos Raimundo de Moraes, Gerusa Leal, eu, Lúcia Moura e Cleyton Cabral. O nome da oficina é meio irônico, mas bem apropriado. Aprendemos com nossos próprios erros. E com os erros e acertos dos outros. Tem dado muito certo.

A busca pela qualidade do texto, que é também pelo aperfeiçoamento literário de nosso trabalho, é o objetivo da oficina. Nós cinco nos reunimos a cada quinze dias e debatemos assuntos que estão na ordem do dia, apresentamos e retrabalhamos textos, propomos exercícios. Sempre temos tarefas para realizar, após cada reunião. E encaramos tudo com disciplina e prazer.

Sobretudo é uma oficina com cinco pessoas que leem com o cuidado que um poeta, um ficcionista, ler. Lemos com zelo o texto do outro. Nós temos e somos nossos leitores especiais. E isso faz muita diferença. Toda.

A nossa metodologia é a seguinte: começamos a reunião com discussões de temas atuais ligados à literatura, leituras de textos (revistas, críticas), discussões de ideias e a proposta dos exercícios. Esses exercícios devem ser feitos em casa, após a reunião. Na reunião seguinte, lá estamos nós com nossos textinhos prontos para serem lidos e analisados.

Cada participante apresenta o seu texto e os demais escutam com atenção. Depois, é a vez de o autor escutar as críticas e observações sobre detalhes daquele texto apresentado que, no princípio, nem mesmo quem é o autor havia observado. Ouvir as críticas às vezes dói. Mas, é preciso ouvi-las. Sobretudo quando são sinceras, pertinentes, ditas olho no olho.

O curioso é que quase nunca vemos nossas falhas.  Não percebemos o quanto somos redundantes. Vem o outro e fala: se você cortar essa parte, continua sendo claro, com um texto mais enxuto. É engraçado o quanto repetimos uma ideia com a esperança de sermos plenamente compreendidos. Mas tudo o que conseguimos nessa repetição é sermos maçantes, de estilo com gosto duvidoso.

Ou, pelo contrário, somos econômicos demais nas palavras com medo de sermos repetitivos. E o efeito que conseguimos é simplesmente não sermos compreendidos. Então, um amigo do grupo termina nos alertando que o texto da forma como está, fica truncado, pouco claro. O fato é que o grupo é extremamente honesto na crítica. Quando gostamos, explicamos o porquê. E quando há coisas que desagradam também apontamos onde elas estão e qual a nossa sugestão -que pode ser ou não – aceita pelo autor do texto.

Mas, não temos receio de cortar a própria carne. Participar de um grupo assim exige maturidade. Às vezes é chato ouvir muitas críticas ao nosso texto, principalmente quando apresentamos um, que quando escrevemos, achamos que iria arrasar. É preciso ter o espírito formado para ouvir a crítica, aceitar quando alguém aponta falhas num texto que você achava perfeito. É preciso ter humildade para adotar as alternativas que outras pessoas oferecem para um conto, uma crônica, um poema.

A palavra é maturidade. No Autoajuda Literária aprendemos a dizer com poucas palavras coisas que antes dizíamos que muitas. Alguém disse certa vez: “Escrever é cortar palavras”. Atribuem essa frase ao poeta Carlos Drummond de Andrade. Não sei se ele realmente disse. Mas a sentença é verdadeira.

2 thoughts on “Cortar a carne”
  1. Maravilha!. A ideia de uma oficina não, necessariamente, tem que ser com um metre como o Raimundo Carrero presente. A história mostra que todos os grandes escritores fizeram oficinas, se comunicavam, trocavam textos, recebiam opiniões. Brigavam. Parabéns pelo Auto Ajuda Literária. Que surjam outros

  2. Tenho acompanhado com grande interesse o “Eu Escritor”.
    Apesar de descoberta recente, já estou em dia com a leitura, desde o primeiro post de Gerusa (que aqui reencontro), ansioso pelo próximo passo.
    Parabéns pelo trabalho.

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