Por Ney Anderson

Os Secos e Molhados foi um grupo musical que surgiu no Brasil em 1973, formado por João Ricardo, Gerson Conrad e Ney Matogrosso. Que durou menos de um ano, mas que foi capaz de ultrapassar Roberto Carlos nas vendas de discos, atingindo a marca de 1 milhão de cópias na época. O grupo começou a se apresentar em São Paulo, no teatro Ruth Escobar, mas o sucesso foi tão grande que eles tiveram que se apresentar em ginásios. Chegando até o histórico show no Maracanãzinho, com cerca de 30 mil pessoas dentro e outras 30 mil fora. Depois disso saíram em turnê pelo país, sempre com o mesmo sucesso de público e crítica.

E porque eles fizeram tanto sucesso? Primeiro, por conta da ousadia comportamental baseada sobretudo na figura de Ney Matogrosso, que trouxe para o debate a questão da androginia, centrado em apresentações exóticas, com o rosto pintado, seminu e com a voz de contralto que fazia as pessoas o confundirem com uma mulher quando o ouviam no rádio. 

E também a própria musicalidade do grupo, que apresentou poemas de Manoel Bandeira, Júlio Cortázar, Solano Trindade, Oswald de Andrade, Vinicius de Moraes, Luhli e também dos integrantes Gerson Conrad e João Ricardo. Verdadeiros clássicos atemporais, como Sangue Latino, O vira, Rosa de Hiroshima, Mulher Barriguda e tantas outras. Mas divergências financeiras fizeram com que o grupo (a formação original) acabasse em 1974 no lançamento do segundo disco.

Livro produzido em estilo almanaque.

Dois livros lançados recentemente ajudam a compreender esse fenômeno Secos e Molhados. O primeiro deles é a biografia do empresário do grupo, intitulada Moracy do Val Show, publicada pela editora Martins Fontes. Escrita por Celso Sabadin e Francisco Uchoa. O Moracy do Val viu o potencial enorme que tinha nas mãos, com algo totalmente inédito no país. E assim conseguiu o contrato para a gravação do primeiro LP na Continental, quando outras gravadoras tinham recusado gravá-los sem nem sequer ouvir a fita com as músicas. E depois saiu em excursão pelos quatro cantos do país, em programas de TV. O livro é recheado de histórias interessantes vista por um ângulo privilegiado, de dentro dos bastidores. E enriquecida com muitas fotos. Embora o livro não seja apenas sobre o grupo, mas a carreira do Moracy no showbiz, é o capítulo sobre o Secos o mais interessante por se tratar de um fenômeno espontâneo, alçado ao sucesso por uma série de fatores. Em especial por conta da determinação do empresário, que vislumbrou como um vidente algo que ninguém imaginava.

Moracy com os integrantes no auge do sucesso. Foto: Ary Brandi
Capa icônica do primeiro álbum

O outro livro é a biografia Primavera nos Dentes, publicado pela editora Três Estrelas. Escrita pelo jornalista Miguel de Almeida, a obra apresenta uma cronologia dos fatos, misturando a história do grupo com a história do Brasil. Não se pode esquecer nunca, por exemplo, que os Secos e Molhados surgiu no auge da ditadura. Então a biografia disseca esse fenômeno fonográfico e comportamental, com depoimentos de várias pessoas e o mesmo espaço de fala para cada um dos integrantes originais no epílogo Que fim levaram todas as flores. Também é recheado por fotografias (em torno de 60), algumas raríssimas. São 376 páginas, distribuídas em 16 capítulos intitulados com o nome das músicas do primeiro LP ou trechos das famosas canções. Com uma linguagem quase ficcional, muito fluida e boa de ler, o livro destrincha não apenas a história íntima do grupo, mas todo o contexto político e musical da época.  O autor destaca, por exemplo, que o trio foi o responsável por inaugurar a indústria cultura no Brasil. Até então era tudo muito precário no país. Não se tinha notícia de shows que arrastavam multidões em terras brasileiras. Tudo passou a ser feito de maneira quase improvisada com o aparecimento do trio, porque nem mesmo infraestruturas profissionais de palco existiam. Primavera nos dentes é o que se chama de biografia definitiva, com apuração rigorosa do Miguel de Almeida, que durou mais de três anos para ser escrita.

Baseado neste livro, está previsto uma série documental em quatro capítulos que será exibida no Canal Brasil em 2020.

É importante destacar que existem outros livros sobre o grupo. “O doce e o amargo do Secos e Molhados – poesia, performance e política na música brasileira”, do Vinícius Rangel, com uma pegada mais acadêmica por se tratar de uma tese de mestrado. E ainda “Meteórico Fenômeno”, do Gerson Conrad, integrante da primeira formação.  E também um livro lançado pela editora Nórdica em 1974, com imagens e depoimentos dos componentes. Mas essa já é edição rara, esgotada há muitas décadas.

É de extrema importância que quase 50 anos depois do surgimento do grupo estes trabalhos estejam sendo publicados para as novas gerações conhecerem (e entenderem) a importância do grupo no cenário artístico-comportamental do Brasil. Até hoje imbatíveis.

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