Por Ney Anderson

Autor dos mais celebrados por leitores no mundo inteiro, Haruki Murakami é sempre cotado para ganhar o Nobel. Isso, no entanto, é mais uma expectativa dos fãs do que dele próprio, que não pauta a sua carreira nessa direção. Romancista de fôlego, Murakami vem produzindo grandes e consistentes livros desde os anos 1980. É impossível não citar, por exemplo, a trilogia 1Q84. Ou então Crônica do pássaro de corda; Sptninik, meu amor; Kafka à beira-mar, entre tantos outros.

Romancista como vocação (Alfaguara), livro de 2017, é o oposto dos trabalhos do autor, porque aqui ele fala em primeira pessoa sobre o seu ofício. Murakami diz que a ideia em ser escritor surgiu do nada. Ou melhor, por acaso, como algo mágico, que o tomou num determinado momento durante uma partida de beisebol. “Acho que o arremessador do Hiroshima Carp foi o Takahashi (Satoshi) e o do Yakult Swallows foi Yasuda. No segundo turno da primeira entrada, quando o Takahashi lançou a primeira bola, Hilton fez uma bela rebatida para a esquerda e foi até a segunda base. O som agradável do taco atingindo a bola ecoou em todo o estádio. Ouviram-se alguns aplausos. Nesse momento pensei subitamente, sem nenhum contexto e sem nenhum fundamento: é, talvez eu também possa escrever romances. Alguma força especial me concedeu a chance de escrever romances”.

E que começou a produzir em inglês, para só depois traduzir ele mesmo para o japonês, já que o mercado local absorvia muito mais autores americanos. A leitura também, segundo o autor, nunca foi tão alta no Japão, cerca de cinco por cento da população total. “Mas o que eu fiz não foi bem uma tradução ao pé da letra; foi algo mais parecido com transplante livre. Inevitavelmente nesse momento surgiu um novo estilo de escrever em japonês. O meu objetivo foi criar um estilo neutro e dinâmico, eliminando qualificadores excessivos”.

Ele faz muitas analogias e comparações, embalada muitas vezes em frases de autoajuda, para tentar explicar o ato de escrever ficção. Inclusive como uma força misteriosa, divina até, que o fez se tornar romancista. O autor reconhece, por exemplo, que existem técnicas, mas não diz quais os seus truques.

Haruki faz nesse livro o que muitos teóricos e escritores consagrados não conseguem fazer, que é tirar a literatura do pedestal. Aproximando essa arte do leitor comum. Talvez por ser um autor popular, com milhões de livros vendidos, ele fale tão abertamente sobre o próprio trabalho. Algo que Stephen King já havia feito magistralmente no ótimo Sobre a escrita. Ambos autores tentam humanizar a figura do ficcionista. Embora reafirmem que não é fácil produzir romances, contos ou novelas de uma hora para outra.

É preciso, para voltar à Murakami, estar aberto e atento ao que acontece no cotidiano. Essas observações são matérias brutas que devem ser lapidadas com esmero a partir de uma forma muito própria (estilo) de criar o mundo inventado, paralelo, da ficção. Murakami diz que é preciso absorver informações do dia a dia para servir de material para a ficção. Sem isso, segundo ele, é impossível criar. O fato de ser um leitor compulsivo deu para ele os recursos necessários para a criação. Mesmo sem a vivência necessária, o autor conseguiu escrever o primeiro romance com as ferramentas que tinha à disposição. O resultado, ele confessa, foi um livro fraco, sem a qualidade dos trabalhos seguintes.

Por isso resolveu ser proprietário de um bar que tocava jazz, o que lhe serviu de componente humano para a criação de histórias no futuro, estudando o mundo real. “Mas mesmo nessa época eu lia livros sempre que conseguia. Por mais que estivesse ocupado, por mais que a vida fosse difícil, a leitura continuou sendo uma grande alegria para mim, assim como a música. Ninguém podia tomar de mim essa alegria”.

É preciso ambição para produzir romances, caso contrário o fracasso é imediato, diz ele. Murakami fala, por exemplo, que só conseguia escrever em primeira pessoa, mas com o tempo conseguiu entrar para a terceira pessoa. Além de fazer revisões detalhadas, em média, quatro vezes no mesmo livro antes de enviar ao editor. Para produzir os textos ficcionais são importantes o equilíbrio dos gostos particulares, as visões de mundo e, claro, a vida pessoal. E completa dizendo que “escrever dá muito trabalho e é bastante tedioso. Nesse ator não existe quase nenhum elemento de inteligência”.

O autor utiliza uma analogia com o filme ET para mostrar como é escrever. “Para mim, não há outra opção a não ser adotar o método E. T. Abrir a garagem juntar tudo (mesmo que só encontre entulhos nada atraentes) e fazer uma mágica dando o melhor de si: “Plim!”. Essa é a única maneira de entrar em contato com outros planetas. Você terá que dar o melhor de si usando tudo o que estiver ao seu alcance. Se for bem-sucedido nessa tarefa, terá em mãos um grande potencial: você consegue usar a mágica (sim, o fato de conseguir escrever romances significa que você é capaz de se comunicar com seres de outros planetas. É sério)”

Romancista como vocação é um livro sincero. O autor confessa, por exemplo, que nunca pertenceu aos círculos literários. Isso, talvez, comprove o estranhamento entre os próprios pares, que sempre buscam a aceitação dos companheiros de ofício. Talvez por isso, ele justifica, porque não é um autor com vários prêmios, mesmo estando na bolsa de apostas do Nobel.

De forma sincera o autor vai falando sobre literatura em onze capítulos, com títulos instigantes, como “O romancista é generoso”; “E agora, o que devo escrever?”; “Que tipo de personagens vou criar”; “Ter o tempo como aliado ao escrever romances” etc. Através da experiência que ele mesmo conquistou em mais de 35 anos de ofício. “Romancista como vocação” não é um manual de técnicas literárias. Muito pelo contrário. É uma conversa ao pé do ouvido sobre muitos fatos que o levaram a escrever romances. De forma geral, Murakami fala como se tornou o autor celebrado que é hoje, no mundo inteiro.

O melhor conselho que o autor japonês dá, no entanto, não reside no campo das ideias.  Murakami faz corridas diárias, esteja onde estiver. Ele diz que para ser escritor é preciso ter condicionamento físico e ser atleta para liberar endorfina e dopamina no corpo, porque essas substâncias ajudam a aguçar o imaginário. Então, se você quiser ser um best-seller como Haruki Murakami, é necessário correr. Correr muito.

Author Haruki Murakami, for Weekend Magazine Feature. Please credit: Patrick Fraser/Guardian News & Media Ltd 2008.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *