Foto: divulgação

Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

 

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Paulo Caldas foi finalista dos prêmios Vânia Carvalho 2012, com o romance em Porto dos amantes e Edmir Domingues 2016, poesia, com Círculo amoroso, mais de 15 títulos publicados nos segmentos infanto-juvenil e adulto, participação em várias antologias em prosa e verso, mentor da oficina literária que leva seu nome (com 25 participantes sendo seis deles à distância) é e colunista de literatura da revista Algomais, Paulo Caldas possui 40 anos de militância literária em Pernambuco. Destaque literário da livraria Cultura Nordestina, em maio de 2019. No mesmo ano, participou da coletânea Encantamentos e trouxe a público o romance Numa rua perto do Centro (Editora Bagaço).

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 O que é literatura?

Uma das formas de expressão mais difíceis. O autor só dispõe da palavra escrita e com ela tem de traduzir cores, gestos, aromas, sabores…

O que é escrever ficção?

É abraçar a fantasia. Segundo Beto Beltrão é contar história que não aconteceu de gente que não existe. Nesse contexto o autor manuseia instrumentos ficcionais: a criatividade na eclosão da ideia, a coragem do impulso de escrever, a disposição de sentar-se e trabalhar à exaustão: personagens, cenários, cenas, diálogos… obedecendo à intuição e ao emprego das técnicas.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

A partir do momento em que as personagens contracenam, vivenciam situações antagônicas, se envolvem com demandas sociais, no enredo ou trama, suscitam fatos desafiadores. Até nos textos para crianças, quando aparecem carências de liberdade, estudos, formas de sobrevivência, a política se faz presente.

Para além do aspecto do ofício, a literatura, de forma geral, representa o quê para você?

Defino três fases na carreira: época das aventuras e animais humanizados, quando o foco era o público infantojuvenil. Os textos escritos para os adultos jovens, críticas aos preconceitos e discriminações e a fase mais recente, nos últimos 20 anos, com apego a temas sociais.

O escritor é aquela pessoa que vê o mundo por ângulos diferentes. Mesmo criando, por vezes, com base no real, é outra coisa que surge na escrita ficcional. A ficção, então, pode ser entendida com uma extensão da realidade? Um mundo paralelo?

Há um limite tênue entre a ficção e o real. Seu texto pode ancorar em qualquer cais. É possível, mesmo na ficção científica, em dado momento aparecer uma cena factível. Daí surgiram textos de García Márquez, Ariano, Juan Rulfo.

Quando você está prestes a começar uma nova história, quais os sentimentos e sensações que te invadem?

A introspecção. Começo sempre pelos cenários, talvez pensando em presenciar as cenas, ouvir os diálogos. Em Numa rua perto do centro usei esse artifício. Foi bom, participei de vários momentos vividos nos cabarés.

A leitura de outros autores é algo que influencia bastante o início da carreira do escritor. No seu caso, a influência partiu dos livros ou de algo externo, de situações cotidianas, que te despertaram o interesse para a escrita?

No início só a partir das observações cotidianas. Depois, a partir da Oficina de Raimundo Carrero, meu passaporte para a escrita madura, aprendi a cutucar detalhes em diversos autores consagrados.

Você escreve para tentar entender melhor o que conhece ou é justamente o contrário? A sua busca é pelo desconhecido?

Ainda em Numa rua perto do centro, experimentei as duas facetas: a experiência do universo mundano e o desconhecido revelado no psicológico dos personagens. Um deles, um sujeito tão sórdido que tive medo dele.

O que mais te empolga no momento da escrita? A criação de personagens, diálogos, cenas, cenários, narradores…. etc?

Tenho uma sensação vinda de cada um deles. Sou cativo das técnicas e quando termino a construção de um destes detalhes, deixo passar um tempo e volto depois para satisfazer meu grau de exigência.

Um personagem bem construído é capaz de segurar um texto ruim?

Sim, capaz até de superar o autor. Quantos autores passaram para a história carregandos nas costas de seus personagens.

Entre tantas coisas importantes e necessárias em um texto literário, na sua produção, o que não pode deixar de existir?

Os detalhes certificadores. Eles estão nos objetos, aromas, sabores, canções, cacoetes do dia a dia, essas coisas…  Numa mercearia de ponta de rua, em Numa rua perto do centro em cima do balcão, dorme o gato do vendeiro. Tem uma peça de salame pendurada num arame preso nos caibros do telhado.

Nesse tempo de pandemia, de tantas mortes, qual o significado que a escrita literária tem?

Difícil responder. Por mais esforços que se façam, observo o mundo disperso e contraditório. Enquanto há autores bloqueados, outros permanecem ativos. É o caso da escritora Salete Rego Barros, que no seu recente Fiat Lux, manuseia a ponta afiada da lança de Quixote e espeta os herdeiros de Goebbels que conduzem o País.

No Brasil, o ofício do escritor é tido quase como um passatempo por outras pessoas. Será que um dia essa realidade vai mudar? Existem respostas lógicas para esse questionamento eterno?

A verdade se impõe. O escritor já morreu ou mora no Sul. Já ouvi frases assim de estudantes nas escolas que frequentava. Por outro aspecto, muitos são os escritores que se agarram aos empregos por questão de sobrevivência e só se integram ao ofício quando aposentados.

A imaginação, o impulso, a invenção, a inquietação, a técnica. Como domar tudo isso?

Quando manifestadas no nicho criativo do autor, não tem como domá-las.

O inconsciente, o acaso, a dúvida…o que mais faz parte da rotina do criador?

Os três instigam e impulsionam a lida criativa. Some-se aos olhos e ouvidos abertos, as relações entre a ficção e o mundo real, afinal o escritor testemunha o seu tempo.

O que difere um texto sofisticado de um texto medíocre?

Os cuidados desde a concepção da ideia, passando pela construção dos personagens, trama, enredo…

O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?

Acho que quando se estabelece a relação de empatia. Há momentos que você compõe uma cena e tem a certeza de que vai chegar num grupo de leitores, especificamente em alguém que traduz semelhanças com o seu pensar.

O leitor ideal existe?

Tenho dois. Aline Saraiva. Lê e me envia opiniões. E José Maria Lucena, atento no clima da trama.

O simples e o sofisticado podem (e devem) caminhar juntos?

Sim. Cada protagonista tem seu perfil individual, aí assume o seu criador.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

Tem uma panorâmica vista da janela em que aparece um cortejo de um funeral e que Flaubert nos passa a movimentação dos personagens ao longe. Em seguida vem narrando o cenário como se estivesse fechando o zoom da câmera, se aproximando, se aproximando, entra no ambiente da sala onde está a protagonista, mostra uma mosca se debatendo dentro da taça de cidra e fecha com a descrição de um sinal no ombro dela, graças ao generoso decote.

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

Não sei. Madame Bovary… Lolita. Os escritos de Carrero, Gilvan Lemos…

Qual a sua angústia criadora?

A traição da memória. O verso, a ideia, a frase, a metáfora, são volúveis. Não fazem morada em você. Com o medo de perdê-los, após a percepção, a angústia nos abraça sem cerimônia.

One thought on “Paulo Caldas: “escrever ficção é abraçar a fantasia””
  1. Paulo Caldas amigo grande escritor criador tenho como vizinho lembraças de um homem de carater contador de historia.

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