Raphael Montes

Por Ney Anderson

Raphael Montes não é mais uma simples aposta da nova geração de autores brasileiros. Ele já conquistou o seu espaço. Não resta dúvida das qualidades literárias do autor, que publicou dois romances de grande sucesso. O mais recente rebento, O vilarejo, é o seu primeiro livro de contos, publicado pela editora Suma de Letras. A narrativa dos textos se une de tal forma que mais parece uma novela. A premissa já se mostra interessante logo na na sinopse, apresentando um vilarejo isolado da civilização, que aos poucos vai sendo destruído pela fome e o frio. Cada capítulo é sobre um habitante, que está eventualmente ligado com personagens de outros contos.  O título de cada um desses capítulos tem como referência sete demônios, que são responsáveis por invocar um pecado capital nos moradores do local, que fica num lugar distante do leste europeu, e está isolado por causa de uma guerra.

O livro começa com o conto Belzebu, Banquete para Anatole, onde a gula faz com que a personagem principal faça algo grotesco. Já em Leviathan, as irmãs Vália, Velma e Vonda, o que se vê é um jogo de intriga, inveja e traição. Esse conto é importante para a compreensão de todo o livro. Lúcifer, o negro caolho, apresenta o lado mais sombrio do ser humano, através do preconceito. Em Asmodeus, a doce Jekaterina, a história culmina numa vingança mortal. Belphegor, a verdadeira história de Ivan, o ferreiro, revela como alguém pode ser verdadeiramente ruim, dependendo das circunstâncias. A vingança também é a ideia central no conto Mammon, o porquinho de porcelana da sra. Blanka. No último conto do livro, Satan, um homem de muitos nomes, um personagem perto da morte consegue sobreviver por conta de um curioso encontro.

O Vilarejo é um ótimo livro de terror, com todos os elementos que fizeram desse gênero um clássico. Mas Raphael Montes conseguiu transpor a barreira das fórmulas prontas e criou um trabalho original. Sem recorrer ao aspecto sobrenatural puro, do susto fácil e das descrições enfadonhas do interior das casas, ele construiu personagens altamente complexos em poucas páginas, algo difícil de fazer. Montes tem um recurso técnico-narrativo incrível, dando a tensão necessária em pontos chave dos textos, arrastando o andamento das histórias em alguns momentos, e finalizando cada conto de maneira inventiva.

O medo que ele provoca no leitor é genuíno, por se tratar de personagens comuns, em situações-limite, que podem fazer qualquer tipo de atrocidade para sobreviver. Os personagens estão na linha tênue entre a sanidade e a loucura. O mal, nesse caso, vem de dentro para fora, ainda que as coisas que acontecem ao redor determinem as ações, despertando o que há de mais sombrio e cruel em cada um. É aí que o autor acerta em cheio, quando explora (mais uma vez) a mente humana, para revelar como as pessoas são complexas e misteriosas.

A vida, a morte e a tentativa de salvação é o que move os moradores do vilarejo. Não deixa de ser perturbador que todos os contos são perfeitamente possíveis, com toda a loucura que as pessoas carregam diariamente. Basta ligar a televisão para vermos notícias sobre canibalismo, estupros, assassinatos, infanticídio e demais bizarrices que o autor de Dias Perfeitos (teve os direitos de tradução vendidos para 13 países) se apropriou tão bem nesse novo trabalho. O sangue, inclusive, jorra das páginas como água.

Ilustração de Marcelo Damm

Embora o Vilarejo seja um pouco diferente dos outros trabalhos do autor, que iria ser lançado sob pseudônimo, é possível perceber algumas marcas. Como as frases curtas e diretas, os diálogos bem estruturados e os personagens construídos com cuidado. Nesse livro, por exemplo, ele criou o que os americanos chamam de fix-up, onde as peças vão se encaixando em todos os contos, com conexões importantes, sem perder o sentido se forem lidos separadamente. As ilustrações de Marcelo Damm são um apoio de peso na obra, realmente impactantes, principalmente a última imagem.

Ainda que possa se assemelhar com Stephen King, foi um pouco forçada a comparação de Fernanda Torres (na capa), dizendo que Montes não deixa nada a dever ao americano. Não é necessária essa comparação, aliás. O bom na literatura é a infinita possibilidade de criação, mesmo que as influências existam naturalmente. No Vilarejo, escrito no intervalo dos seus dois romances, Raphael vai se estabelecendo como um grande criador de enredos e boas histórias.

Não por acaso que os livros são sucesso de venda, e deu ao autor a possibilidade de ser roteirista de cinema e TV, como a série Espinosa (GNT), baseado na obra de Luiz Alfredo Garcia-Roza, e o seriado de terror SUPERMAX (Rede Globo). Além de ser colaborador da novela A Regra do Jogo, de João Emanuel Carneiro. O Vilarejo é mais uma prova do talento de Montes, que ainda pode surpreender bastante na literatura policial. Talvez a frase síntese que possa definir essa nova obra é a que está citada na sinopse do livro: o maior inimigo pode ser você mesmo. Raphael Montes prova com o Vilarejo que essa é a mais pura verdade.

One thought on “Raphael Montes prova que o mal está em cada um de nós”
  1. Nunca tinha lido nenhum livro do Raphael,conhecia seus livros,Quando li `O Vilarejo´,fiquei impressionado.É mais um escritor da nova geração que veio para ficar.Futuramente vou até ler; Suicidas e Dias Perfeitos.

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