Crédito da foto: Juliana Marques (@juubabu)

Por Ney Anderson

No segundo livro do escritor pernambucano Paulo Moura, Transa (Editora Helvetia) caminha entre o erotismo e o sexo para retratar relações pessoais, amorosas, dentro de um cotidiano corriqueiro, cru e, por isso mesmo, bastante interessante.

Nos trinta contos presentes na obra, o leitor se depara com relações não tão amistosas, que funcionam na base do automático, entre duas pessoas que apenas se aturam, como em Divórcio, onde o risível e o trágico caminham de mãos dadas, nos dramas familiares, no cotidiano simples como ele é no dia a dia. Ou então no tesão, na traição e no sexo do texto Laura, que dão a tônica do conto.

Já em Descompasso, a história é sobre um encontro casual entre ex-namorados que não se viam há tempos. É um texto direto, que mostra a pressa e o desconforto de duas pessoas que já foram íntimas, mas que agora são meros conhecidos. Feliz aniversário leva o leitor a acompanhar um segredo do marido descoberto pela esposa após décadas de um casamento feliz. A entrelinha, a descoberta de algo inimaginável, escrito através do olhar da mulher, passa para o leitor o conceito transviado de família feliz apenas na superfície. Das cenas de um cotidiano quase sempre imperfeito. Outro conto mostra a escolha do nome do primeiro filho do casal que descamba para um mal-estar generalizado no conto Gravidez.

A noite de sexo entre duas mulheres, é o ponto chave de Como um quadro de Hopper. O tesão aqui é à flor da pele, nas alturas. Corpos que não apenas se encontram, mas que se desvendam no oculto das sensações. O autor cria imagens muito boas, sabe movimentar o fio dos enredos quando necessário. Como na prosa sombria, irônica e ácida de Janta, uma narrativa baseada no ato calculado do protagonista para trazer o amor da sua vida de volta para o seu lado.

Nos textos que fazem parte de Transa, Paulo Moura se debruça sobre amores que vêm e vão, reconciliações e separações. Também nas peripécias do entregador de pizza que se depara com uma situação insólita ao entregar a encomenda para o casal em crise. No texto seguinte, a fantasia de duas pessoas que resolvem sair da monotonia e começam a frequentar uma casa de suingue e a mãe que descobre algo da filha (um prazer secreto), que acaba servindo para si própria.

São textos, por vezes, bastante engraçados, como no conto Sofá, quando o marido faz um comentário sobre o corpo da esposa e ela retribui com sinceridade cômica sobre o corpo dele. Em um dos textos mais espirituosos, um homem consegue resolver o seu caso de impotência sexual e falta de libido através do novo método terapêutico. E a história também bem humorada do jovem que relembra da infância com o amigo Pedrino (mesmo nome do conto), que se conheceram no catecismo, onde passaram a fazer coisas não tão católicas assim. Em poucas páginas o protagonista-narrador relembra essa fase da vida de forma sucinta, ativando nele desejos há muito adormecidos.

Observamos neste livro o prazer que o autor tem em narrar boas histórias, sem querer reinventar a roda, sempre com ótimos diálogos, como no conto Freud explica. A linguagem na maioria dos textos é trabalhada de modo a atingir o efeito subliminar dos segredos e calabouços que o sexo apresenta, até de maneira (ou principalmente) inconsciente. O sexo, ou a suposição dele, sempre está presente.

São textos bem planejados e executados pelo autor, que por vezes fica na corda bamba entre o vulgar e o sensual, o piegas e o sofisticado, sempre conseguindo se equilibrar nessa fina linha que separa o refinamento literário das situações sensuais, por exemplo, da pura caricatura plástica do ato sexual e da sexualidade, tão bem representados neste livro sob várias perspectivas.

No conto A revista, por exemplo, um editor machista escreve, veja só, numa publicação voltada para o público feminino. Até que uma mulher (a única na redação) ser contratada e conseguir causar ainda mais fúria e repulsa no editor. Contado sob o ponto de vista desta repórter que narra a truculência e o machismo do chefe, até a situação tomar um rumo trágico, numa realidade crua e com desfecho impactante.

Em Falus Erectu, o delírio de alguém que diz ser o esposo de Jesus. Essa história serve de matéria-prima para o livro de um escritor. As histórias fantasiosas do homem que sempre aparece seminu, com ereção, durante as missas, para desespero do padre. Além do canibalismo de seres animalescos dá o tom em O banquete. Ato falho apresenta, justamente, a falta de potência no momento do sexo, quando a mulher troca o nome do parceiro, entre outros muitos exemplos com essa mesma pegada.

As cartas, talvez o conto melhor trabalhado da obra, mostra um segredo descoberto pelo neto no dia do sepultamento do avô. História de carnaval, claro, não poderia faltar. Aqui, Carnaval é sobre um encontro fortuito no Galo da Madrugada, no Recife. Um relacionamento que começa no ponto alto da folia, perdurando por alguns anos, até ser desfeito da mesma maneira fugaz que começou.

São elementos que conectam e compõe a base da maioria das narrativas deste livro. Encontros e desencontros de casais preenchem boa parte do livro, sempre com a pitada do amor (ou da paixão) que esfria e a descoberta de outros amores, de novos prazeres e desejos. Textos curtos, mas que dizem tanto. Histórias simples, mas com o desenrolar surpreendente em vários momentos. Quase todos os contos, aliás, são em primeira pessoa.

Transa é um livro leve e despretensioso, mas que nem por isso deixa de ser interessante, porque existe sempre algo a revelar, uma suposição sutil das coisas ao redor, que só é perceptível em determinados momentos justamente por conta da simplicidade com que o autor elabora as suas narrativas. Dessa simplicidade que não precisa de enfeite para apresentar a sua envolvente mensagem.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *