Fotos: Ney Anderson

Por Ney Anderson

Na madrugada do dia 19 de outubro de 2010, o escritor Raimundo Carrero resolveu levantar para checar alguns e-mails e se preparar para ir a um evento literário no Sertão pernambucano. Tentou se erguer, não conseguiu. Caiu sobre a esposa, Marilena de Castro, tentou outra vez, nada. A voz não saía direito e estava sem forças. Foi aí que Marilena, que é médica, entendeu que o autor de Bernarda Soledade sofria um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Imediatamente o escritor foi levado pela ambulância ao Hospital Português, no Recife. Deu entrada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e ficou internado por alguns dias, até ser transferido para um apartamento do mesmo hospital. 

Carrero ainda não fazia ideia que, daquele dia em diante, a vida dele mudaria completamente. Estava acostumado a uma rotina puxada de trabalho que incluía, dentre outros compromissos, oficinas literárias, produção dos próprios livros e o trabalho como editor do Suplemento Pernambuco. Era ainda convidado com frequência para palestras em outras cidades, para lançamentos de livros e dar entrevistas a veículos de comunicação. A rotina do escritor incluía, também, o trabalho de leitura de originais para análises de prêmios de literatura e contratos para escrever sinopses, contos para revistas e jornais. 


Depois de ganhar o prêmio Jabuti no ano 2000, com o livro As sombrias ruínas da alma, o autor entrou definitivamente para o hall dos mais respeitados e admirados da literatura brasileira. É fato também que ele já havia ganhado outros prêmios, mas o Jabuti foi uma coroação, por ser um dos mais cobiçados do país. O prestígio conquistado não parou por aí. Antes do AVC, ele recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura, o que paga a maior quantia do país (R$ 200 mil), com o romance A minha alma é irmã de Deus.

“A banda não tocou. O galo não cantou O mundo não mudou. E eu estava morrendo. Compreendi, então, as palavras de Fernando Pessoa: A realidade não precisa de mim”, escreve Carrero em seu diário intitulado: Às vésperas do sol, que deverá ser publicado em breve. A frase pessimista mostra um autor um tanto cético em relação à experiência com um grave problema de saúde. Mas, depois de dois anos, o que se vê é uma melhora considerável. Carrero já dá voltas pelo prédio onde mora (no bairro do Rosarinho), voltou a ministrar a oficina literária e já está indo à Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) todas as semanas. Voltou também a escrever, com apenas um dedo, a nova trilogia: Comigo a natureza enlouqueceu, composta por personagens “surrupiados” de outros livros dele. Já entregou para a editora Record o primeiro romance dessa nova fase: Tangolomango – Ritual das paixões desse mundo. 

Na última quinta-feira (18), o autor causou reboliço entre os internautas, quando publicou em sua página no Facebook, que estava escrevendo a biografia de Jesus, batizada de Jesus – o Deus perseguido. “Meu projeto mais ousado. Mas não será um Evangelho, não cometeria esta loucura, apenas uma biografia baseada em informações e em teólogos autorizados”, revelou. Ainda está acompanhando a reforma da casa comprada na Avenida Norte no Recife, que será um centro cultural e vai servir de base para as oficinas e contará com aulas de cinema e teatro.

Raimundo Carrero tornou-se outro homem, não percebemos a gargalhada que antes se fazia ouvir por todos os lugares onde estava; o corpo já não é mais o mesmo, um pouco mais magro e com dores na coluna que insistem em não desaparecer e a voz ainda fraca. Se o corpo mudou, a presença e inteligência do autor permanecem intactas, ou até mais presentes e acentuadas. Agora ele é um escritor “maduro para a literatura e com uma visão mais completa do mundo”, nas suas próprias palavras. Ele, que está tendo a melhor fase da carreira como ficcionista, com obras sendo traduzidas para diversos países, e que foi homenageado em Arcoverde-PE, nessa sexta-feira (19), dentro da programação da 4ª edição da Jornada Literária Portal do Sertão, acredita que a experiência com o AVC o fez perceber que a saúde é o grande bem na vida das pessoas “sem ela não se chega a lugar algum”.

Carrero diz que tudo isso contribuiu para a sua literatura, pois aprendeu o que é solidão, dor e aniquilamento. Mas o pior já passou. Sobre a cura total, é enfático “sempre tive e tenho uma grande fé em Deus e é Ele que vai me curar completamente. Por isso posso esperar”, diz.

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