Por Ney Anderson

Ana Paula Maia está de volta com um romance intenso, mais uma vez sobre homens à margem da sociedade. Ela faz uma espécie de continuação em De Gados e Homens (Editora Record, 127 páginas, R$ 30) sobre a condição dos personagens excluídos, que passam na maioria dos casos por situações degradantes de trabalho. A ironia é ponto fundamental nesta obra, que atesta, sem meias palavras, que o trabalho escatológico precisa ser executado por alguém para beneficiar outras pessoas, ou manter a ordem das coisas.

Aqui o cenário é um matadouro de gado, onde Edgar Wilson, um dos personagens mais intrigantes da literatura atual, trabalha como atordoador dos ruminantes. Edgar, inclusive, já vem de outros livros da escritora, como Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos e Carvão Animal. A função que o personagem exerce no matadouro é cheia de dilemas e confrontos entre o homem e o animal, que em muitas vezes se misturam entre o certo e o errado.A narrativa se passa dois anos depois de Carvão Animal, seu romance anterior, onde Edgar Wilson trabalhava como carvoeiro. Nesse novo livro, ele abate o gado para abastecer uma fábrica de hambúrguer da região. Em determinado momento o gado começa a morrer em situações estranhas, que beiram o fantástico, deixando todos intrigados sobre o real motivo dos acontecimentos. Os episódios afetam diretamente na rotina dos trabalhadores e dos moradores que residem próximo do abatedouro. Enquanto o dono do local, Milo, perde dinheiro com o gado morto, os habitantes agradecem aos céus por isso ter acontecido. O sustento da população local vem através do roubo dos animais mortos e do que sobra nos abates.

Bem no começo do romance já é possível observar a dureza da história, quando Edgar é questionado se gosta ou não do trabalho que faz: “– Gosta do seu trabalho lá no matadouro? – Gosto. Às vezes não quero lidar tanto assim com o sangue, com a morte, mas… é o que eu faço”. E completa: “O pior na hora de abater o gado é olhar para os olhos deles… não dá para ver nada no fundo do olho do boi. Eu fico olhando, tentando enxergar alguma coisa, mas não dá para ver nada”.

É interessante o desenho psicológico que Ana Paula faz dos personagens do romance, principalmente Edgar, que mesmo com o trabalho cruel que executa, não deixa os animais “sofrerem”, fazendo até o sinal da cruz em todos eles antes do abate. Os antagonistas da obra, entre eles, Milo, Bronco Gil, Helmult e Zeca aparecem como um grande tapete para o protagonista caminhar. A impressão que se tem ao ler o livro é que os personagens foram baseados em pessoas reais, por conta do passado perfeito que Paula criou para cada um deles.

A rotina no abatedouro é executada com pressa, sem angústia ou medo. Quase não há espaço para sentimentos de piedade e dor. O mundo impiedoso traçado em De Gados e Homens, é a prova viva de uma autora que sabe conduzir com maestria tudo o que escreve. Não existe nada solto no romance, tudo é feito com precisão quase cirúrgica. As frases são secas e diretas, sem perda de tempo. Os cenários são poucos. Ela optou por realmente mostrar a história de perto, sem gorduras e enfeites, com o texto pulsando em cada nova página. Por isso é impossível não se envolver com a trama e com os dilemas de Edgar Wilson.

Com uma câmera na mão, Ana Paula Maia nos lança no meio de um turbilhão de emoções e sensações. É muito bom poder acompanhar o crescimento de uma autora que já nasceu grande, que possui recursos infinitos para suas ideias sempre originais. Ela, sem dúvida, tem um lugar único na literatura brasileira contemporânea e escreveu um dos melhores livros do ano.

 

 Blog da autora: anapaulamaiaescritora.blogspot.com.br

 

 

Conheça o catálogo da Editora Record

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *