No segundo texto de Cícero Belmar para o projeto Eu escritor, ele não dá dicas para escrever. Surpreso? Já percebeu como é muito mais fácil falar de literatura do que fazê-la? Sabe por quê? Por uma questão óbvia, mas que ninguém percebe no início (todos somos apressados no começo): a imaginação, ou melhor, a falta dela. É impossível produzir literatura ( leia-se literatura de qualidade) sem pensar antes. Como diz o autor,  “o pensamento produz e conduz o estilo. Portanto, quem quiser escrever precisa antes de qualquer coisa aprender a pensar”. E agora, já pensou como isso pode ser ótimo para sua ficção?

Por Cícero Belmar

Pensar

Foto: reprodução internet

Todas as pessoas que se aventuram a escrever – sejam contos, poemas, qualquer redação que seja – precisam saber pensar. Ninguém sai da primeira linha, do primeiro centímetro de texto, se não souber ordenar o pensamento. Escrever pressupõe uma reflexão sobre o que se vai escrever.

Ensinar a pensar é algo que, infelizmente, uma oficina literária enfrenta limites. É possível até que um oficineiro oriente, dizendo que convém fazer um esboço do texto, que se faça um cronograma, tipo uma programação de acontecimentos da trama etc e tal.

Digamos que você tenha a ideia de uma boa história. Mas não sabe como colocá-la no papel. Sim, na oficina é possível estabelecer que essa história será um conto ou uma novela, que ela será contada em 10 capítulos ou em três, e que fica mais legal que o capítulo comece de um jeito e seja concluído num suspense.

Numa oficina, também, pode-se retrabalhar o personagem, definir melhor suas características, sua psicologia, dar-lhe uma ideologia. Mas somente você dará o ritmo do texto, vai convencer o leitor seguir até a última página. No mundo existem pessoas chatas e outras que quando começam a contar uma história, todos se empolgam. Os textos são a mesma coisa.

Tudo isso depende do seu modo de pensar, de organizar o texto.  De você acrescentar poesia ao que vai dizer. Quem dá o tratamento ao texto é você e não uma oficina. Por mais eficiente e competente, ela não terá como tornar interessante algo de sua autoria que nem você soube elaborar.

É preciso que o autor saiba dar satisfação ao leitor, saiba fazer um texto atraente. Enquanto mais livre estiver o autor, enquanto ele mais souber expor suas fantasias pessoais, mais ele vai estabelecer uma empatia com o leitor. O autor não pode ficar se autoacusando, se autocensurando. Enquanto mais livre for o pensamento do autor, enquanto ele menos temer que seus devaneios sejam mal-entendidos, mais ele estabelece a verdade da literatura.

Pensar não é simplesmente fazer um plano narrativo, uma sinopse bem elaborada. Essa parte o autor pode executar coletivamente, com vários amigos dando pitacos, numa divertida e ruidosa reunião com 15 participantes cheios de sugestões criativas e originais.

Pensar é mais que isso. É colocar no papel o que a própria criatividade dita. A partir de uma reflexão, de um mergulho. De uma forma organizada. E pessoal. Essa parte é, certamente, uma das mais difíceis do ato de escrever. Por isso, eu entendo que escrever é o ato mais solitário de todos. Porque pensar depende de você.

Mesmo que se receba uma ajuda, uma dica valiosíssima, uma orientação que mude todo o roteiro, o produto final vai depender do autor.  É ele quem vai dar graça à frase, vai dar ritmo à escrita (que aqui é a mesma coisa de dar ritmo à leitura), vai colocar um diálogo convincente, dividirá as frases dentro de um fluxo envolvente.

E tudo isso chama-se estilo. O pensamento produz e conduz o estilo. Portanto, quem quiser escrever precisa antes de qualquer coisa aprender a pensar. Precisa ler (de novo!!!!!!) não somente ficção, mas também resenhas literárias, livros de filosofia, psicologia, teologia; estar atentos às outras formas de arte.

Um escritor precisa assistir a filmes e pinçar deles o “conteúdo literário”. Sabe esses filmes que põem a gente para sofrer? Eu lembro, antigamente, quando se ia ao Cinema Veneza, no centro do Recife,  ver Bergman. Todos saíam sofridos e achavam tudo tão bom. E quanto mais sofridos, mais felizes. Kkkkkk. Brincadeirinha.

Exposições de obras de arte me ajudam a pensar. Recentemente vi uma de Ricardo Fraga sobre o rio São Francisco,  no Santander Cultural do Recife, que mexeu com meu pensamento. Havia uma das instalações com roupas penduradas e chegando mais perto, bem mais perto, ouvia-se dentro das roupas, Maria Bethânia cantando O ciúme, de Caetano Veloso. Fiquei muito surpreso com o inesperado: então era possível recriar a modernidade com coisas usadas, antigas?

Escrever é um ato solitário, mas começa mesmo quando a gente observa, ouve, sente. Colocar no papel é apenas a atitude de um processamento.

4 thoughts on “Ato solitário”
  1. Corretíssimo, Belmar. Sem materializar as ideias o texto não acontece. Mas a criação começa antes, muito antes, de fato, na observação, na imaginação, na visão de mudo do escritor.

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