Por Ney Anderson
Os últimos momentos de Gabriel García Márquez contados pelo filho Rodrigo García em Gabo & Mercedes: uma despedida (Editora Record) através de um livro muito bonito, apesar da tristeza dos fatos narrados. O olhar de Rodrigo para a morte do pai, mostrando principalmente o companheirismo de toda uma vida de Mercedez com Gabo, é de uma delicadeza sem igual.
Acompanhamos os dias derradeiros do autor de “Cem anos de solidão”, mestre absoluto do realismo mágico latino-americano, de uma maneira bastante sensível. Sobretudo porque Rodrigo García nos mostra como foi ver o pai conviver com a perda de memória, que o fez viver estritamente o presente, sem a carga do passado e livre de expectativas sobre o futuro.
Mas a obra não é apenas sobre os últimos momentos de García Márquez, pois Rodrigo entrelaça com outras histórias sobre o pai e a mãe. São algumas curiosidades da vida de Gabo e do entorno, a família, a relação do autor com os filhos e, claro, a chegada da velhice.
Também sobre as inspirações para as suas obras, através do mundo que ele vivia e que colocou tudo, em maior ou menor grau, em seus livros. Ficamos sabendo do leitor voraz que o pai era, indo de leituras bastante populares até estudos de compêndios médicos, além das consultas constantes nos dicionários e o livros de referência de idiomas.

“Pelo interfone, ligo para o térreo. Minha mãe atende e digo a ela: “o coração dele parou”, e a duras penas consigo terminar a última palavra sem que minha voz falhe, mas acho que ela desliga antes disso. Volto para o lado do meu pai. Sua cabeça jaz de lado, sua boca está um pouco aberta e ele parece tão frágil quanto qualquer pessoa. Vê-lo daquele jeito, nesta escala tão humana, é aterrador e reconfortante”.

Rodrigo relembra ainda a prodigiosa capacidade de concentração de Gabriel García, quase como um transe, trabalhando diariamente em seus livros das nove da manhã às duas e meia da tarde.
O autor nos relata o surgimento da demência do pai e o agravamento da doença, fazendo um paralelo com o caldeirão de criatividade que Gabo havia sido em todos os anos de atividade literária, até a perda quase completa da memória e a incapacidade de escrever por conta desse problema.
Inclusive, como Rodrigo observa, Gabo relia seus próprios livros como se não os estivesse escritos, se surpreendia com aqueles romances e se assustava quando via o seu retrato na contracapa.
Claro, as imagens que Rodrigo criou sobre o padecimento do pai é a coisa mais tocante na obra. A compreensão em ver o corpo do pai já não suportando mais nada por conta de outra doença, os órgãos entrando em colapso, até o coração parar de bater, é algo realmente triste.
E o momento da cremação, observado de forma quase epifânica por Rodrigo García.

“A imagem do corpo do meu pai entrando no crematório é alucinante e anestésica. É ao mesmo tempo plena e sem sentido. A única coisa que sinto com alguma certeza neste momento é que ele não está ali de jeito nenhum. Continua sendo a imagem mais indecifrável da minha vida”.

Gabo e Mercedes: uma despedida, é um belo livro sobre o fim e a homenagem do filho para o múltiplo artista Gabriel García Márquez, que representou (e representa) o melhor momento para a literatura latino-americana, sendo reconhecido em 1982 com o Nobel.
Não por acaso, para muitas pessoas Gabo foi o maior colombiano que já existiu.
Gabriel recebendo o Nobel de Literatura em 1982

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