Foto: Renato Parada
Por Ney Anderson
Quando a Editora Companhia das Letras resolveu criar o projeto “Amores Expressos”, causou certa polêmica com a imprensa, editores e escritores. Pois, o projeto seria financiado pela Lei Rouanet. A editora iria fazer uma renúncia fiscal de R$ 1,2 milhão para bancar o projeto. Depois de toda confusão que foi formada, a Companhia das Letras decidiu custear essa idéia inédita no Brasil e no mundo. 

Foram enviados 17 escritores para diversas partes do mundo, com a proposta de que passassem um mês nesses lugares e escrevessem histórias de amor. Cidades como Cairo, Buenos Aires, São Paulo, Havana etc. Serviram de cenário para histórias de amor muito longe do clichê que o tema sugere. 

Cinco livros já foram lançados e agora mais um surge nessa galeria de amores e desencontros: Nunca vai embora (Editora Cia das Letras, 128 pgs. R$ 34,00)  de Chico Mattoso.


O autor foi enviado para Havana, Cuba, e lá começou sua peregrinação para tentar compreender a cidade e criar sua história de amor. O enredo do livro é simples, trata de um dentista, Renato Polidoro, que abandona sua profissão para acompanhar a namorada Camila, que se formou há pouco tempo em cinema e pretende produzir um documentário em Cuba.


Essa viagem produz em Renato uma euforia por estar fazendo algo sem precisar da ajuda do pai, que nunca deu valor suficiente para ele, e sempre fez tudo à sua maneira, sem pedir uma opinião sequer ao filho. Trabalhava no consultório do pai para quitar a dívida pelos anos de estudo na universidade particular e não tinha muitas ambições. Renato é um típico trabalhador, que não vê muito futuro em sua vida e profissão, e de uma hora para outra conhece uma jovem cheia de sonhos e fantasias.


Cheio de expectativas, ele faz um roteiro de lugares que precisa conhecer em Cuba, mas chegando lá não consegue “viver” sem Camila. Não aceita os horários da namorada e começa a ficar paranóico, achando que uma traição estar para acontecer ou que, igual ao pai, ela não lhe dá o devido valor. Camila, por sua vez, é uma cineasta obcecada pelo trabalho, nas poucas horas que está perto de Renato, só fala de filmes, cineastas, diretores de cinema etc. Renato não consegue conhecer Havana da maneira que havia planejado, por não conseguir “andar” sem Camila.

A sensação que Mattoso nos transmite é de uma atmosfera claustrofóbica, onde o protagonista se vê preso em um país desconhecido e com pessoas que não lhe despertam o menor interesse. Nessa confusão de sentimentos, Renato Polidoro, começa a vagar pela ilha e conhecer lugares que não estavam em seu roteiro, mas no outro dia nem sequer lembra de coisas específicas desses lugares, ele apenas se deixa levar, sem se importar muito com nada.

Em uma das discussões com Camila ela o abandona, o que lhe causa medo nos primeiros dias. Sem ela Renato sente-se um homem fraco, sem vontade de viver e não entende o motivo de ter se tornado um obcecado pela namorada.

É nessa virada na vida do protagonista que o leitor começa a conhecer Havana junto com Renato. Ele descobre lugares novos, conhece algumas pessoas, tem um flerte com a filha da dona do hotel e tenta de qualquer maneira saber onde está Camila. Em uma de suas andanças, entra num bar e conhece Pepe e Fili (donos do local), começam uma amizade, e é quando Pepe fica sabendo da história de Renato que resolve ajudá-lo, aparecendo com a teoria de que Camila não o abandonou por vontade própria. Isso só faz aumentar a loucura de Renato por ela. Nesse momento a narrativa ganha contorno de thriller policial, pistas surgem de teorias matemáticas, pessoas suspeitas aparecem no caminho de Renato, Pepe muda de humor a cada novo dia de encontro e Camila não aparece, e nem aparecerá. Um romance narrado em primeira pessoa, que mostra a angústia da procura por uma obsessão.

Chico Mattoso criou um livro onde o tema passa distante dos modismos e clichês, mostrando que falar de amor em literatura não quer dizer necessariamente que se deva falar de coisas bobas e infantis. É possível mostrar que o amor também atormenta e causa loucuras, e que talvez não possa existir sem sofrimento.

O maior mérito de “Nunca vai embora” é a maneira angustiante de como é tratado esse sentimento, que é um dos temas mais utilizados na história da literatura mundial.

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