
Por Ney Anderson
Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora
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Marcelino Freire nasceu em 1967, em Sertânia, PE. É conhecido por suas obras, constantemente adaptadas para o teatro, e por sua atuação como professor de oficinas de criação literária, além de produtor cultural. Vive em São Paulo desde 1991. Escreveu, entre outros, Contos Negreiros (Editora Record, 2005), com o qual foi vencedor do Prêmio Jabuti, livro também publicado na Argentina e no México. Em 2013 lançou, pela Editora Record, o romance Nossos Ossos (Prêmio Machado de Assis), também publicado em Portugal e ainda na Argentina e na França. É o criador e curador da Balada Literária, evento que acontece desde 2006 em São Paulo. Em 2018, lançou o livro Bagageiro, reunindo o que ele chama de “ensaios de ficção” (Editora José Olympio). Mantém o blog Ossos do Ofídio: marcelinofreire.wordpress.com
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O que é literatura?
É a palavra que faltava.
O que é escrever ficção?
É “inscrever”. No sentido de “inaugurar”, “plantar”, “levantar do chão”.
Escrever é um ato político? Por qual motivo?
Escrever algo que vale muito mais pelo que não está escrito é um ato político.
Para além do aspecto do ofício, a literatura, de forma geral, representa o que para você?
Um livro me pega pela mão. Uma companhia. Um amor que vem dizer coisas que ninguém nunca me disse. Abro sempre um livro para saber o que ele quer de mim.
O escritor é aquela pessoa que vê o mundo por ângulos diferentes. Mesmo criando, por vezes, com base no real, é outra coisa que surge na escrita ficcional. A ficção, então, pode ser entendida com uma extensão da realidade? Um mundo paralelo?
A ficção está nas entrelinhas. Ao ler, a gente enxerga a realidade aonde ela não quer se mostrar.

Quando você está prestes a começar uma nova história, quais os sentimentos e sensações que te invadem?
Sou guiado sempre pela palavra. Ela quem procura o meu pensamento. A palavra quem procura o meu sentimento.
A leitura de outros autores é algo que influencia bastante o início da carreira do escritor. No seu caso, a influência partiu dos livros ou de algo externo, de situações cotidianas, que te despertaram o interesse para a escrita?
Minha mãe cantando Luiz Gonzaga na cozinha me influenciou tanto quanto Graciliano Ramos. As vozes da casa. A música aos domingos. A escassez. O bairro de Água Fria, no Recife. Os sons de Sertânia. Tudo isso é “confluência” até hoje.
Você escreve para tentar entender melhor o que conhece ou é justamente o contrário? A sua busca é pelo desconhecido?
Eu gosto do que não sei. Gosto de dobrar as esquinas de um verso, pular para dentro dos parágrafos. Um livro é uma floresta. A gente não sabe tudo o que há na floresta. Mas, ao atravessá-la, ficou a experiência. Ficou o mistério. Virei também parte da floresta. Uma semente eu levei dali. Uma semente eu deixei.
O que mais te empolga no momento da escrita? A criação de personagens, diálogos, cenas, cenários, narradores….etc?
Gosto de quando a palavra vai gostando da música da palavra que vou escrevendo, daí essa palavra vai me levando, me embolando página abaixo.
Um personagem bem construído é capaz de segurar um texto ruim?
Se o texto é ruim, imagine o personagem…
Entre tantas coisas importantes e necessárias em um texto literário, na sua produção, o que não pode deixar de existir?
Vontade. Sou movido pela vontade. Depois, o texto tem de me emocionar primeiro. Daí, acho, colhida essa emoção em mim, só assim o texto pode chegar ao leitor, à leitora. Com a mesma sinceridade com que o tentei escrever.
Nesse tempo de pandemia, de tantas mortes, qual o significado que a escrita literária tem?
Estou conversando com escritores e escritoras que já morreram há 100, 150 anos. Eles estão me ajudando a atravessar essa pandemia. Eles viraram meus contemporâneos e contemporâneas. Eis o poder da literatura. Um livro nunca está parado no tempo.
No Brasil, o ofício do escritor é tido quase com um passatempo por outras pessoas. Será que um dia essa realidade vai mudar? Existem respostas lógicas para esse questionamento eterno?
RESPOSTA: Faz uns quinze anos que eu vivo direta e indiretamente da literatura. Então meu sonho virou algo possível. Sem sonho, fica impossível.
A imaginação, o impulso, a invenção, a inquietação, a técnica. Como domar tudo isso?
Reescrevendo tudo isso.
O inconsciente, o acaso, a dúvida… o que mais faz parte da rotina do criador?
A solidão. Não adianta pedir socorro. Eu comigo me faço companhia.
O que difere um texto sofisticado de um texto medíocre?
Se é sofisticado é ruim. Prefiro o texto medíocre. Esse pode melhorar. O “sofisticado”, sem chance.
O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?
O leitor sempre lê em primeira pessoa, mesmo que o escritor ou escritora tenha escrito em terceira pessoa. Leitor e autor, leitora e autora são uma coisa só.
O leitor ideal existe?
É aquele ou aquela que chega sem avisar.
O simples e o sofisticado podem (e devem) caminhar juntos?
Alguém já falou algo que adoro: ou a poesia é simples ou é impossível. A busca é pela simplicidade sempre.
Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.
“Qual o tamanho do inferno? / Caberão nele todos os racistas”. É um trecho da poesia “Salmo da Constatação”, de Geni Guimarães. A poeta paulista lançou há pouco o Poemas do Regresso (Editora Malê). Acabei de ler e ficou pendurada essa pergunta em meu juízo.
Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?
Qualquer livro de poesia.
Qual a sua angústia criadora?
Não saber se respondi às suas perguntas. Acho sempre que melhores do que as respostas são as perguntas. Posso te fazer uma?