
Por Ney Anderson
A graça de um romance policial é o nível de dúvida que ele joga na cabeça do leitor. Embalado em uma trama bem montada, com percepções e variações dos personagens. O enredo que Raphael Montes criou em Uma mulher no escuro (Companhia das Letras, 254 págs) é bem elaborado, de muitas situações e reviravoltas. Victoria Bravo vê os seus pais e o irmão serem assassinados por Santiago, um jovem de 17 anos, quando ela tinha apenas quatro, na casa onde morava. O assassino ainda pichou de preto os rostos de todos eles. Vinte anos depois ela se tornou alguém cheia de conflitos e medos, porque enfrentou esse grande trauma, responsável por moldar a sua ideia de mundo.
Desde desse triste fato, ela vive só, não tem muitos amigos e muito menos namorado. E a única parente mora no asilo. Ela faz terapia algumas vezes na semana e trabalha como atendente em um bar-café. Quando parece que está se recuperando, os antigos fantasmas voltam de forma palpável quando ela começa a ser perseguida pela mesma pessoa que acabou com a sua família.
Nos três primeiros capítulos os personagens que circulam a vida de Victoria são apresentados. O amigo Arroz, que ela conheceu na internet e mantém uma relação de distanciamento; o psicólogo Max, responsável por fazer dela uma pessoa normal e o recém-conhecido Georges, escritor que frequenta o café onde a protagonista trabalha e começa um relacionamento mais próximo com ela. Além da tia Emília, que ela visita periodicamente na casa de repouso.
A aparente normalidade é abalada quando a sala de Victoria é pichada de preto com a frase “vamos brincar?”. A partir daí ela tenta se proteger de todas as formas, com a ajuda da polícia e dos conhecidos mais próximos. Mas também busca compreender as motivações para o retorno de Santiago depois de tanto tempo.
O texto se passa em alguns meses e os capítulos terminam com pequenos suspenses e transições muito boas. O perfil do assassino vai sendo apresentado pelo olhar de pessoas que tiveram contato com ele e também pelo diário que o assassino escreveu na época dos crimes, que lhe foi entregue pelo pai do (agora) homem, no qual não sabe do paradeiro.

O texto é intercalado pelas muitas reflexões sobre a vida de Victoria e esse fato novo das perseguições, e ainda com pequenas inserções da fala de Santiago mostrando que ele está acompanhando os passos da jovem de perto.
A pegada pop do autor está ainda mais evidente. Mas esse livro é mais sério e sisudo, diferente dos anteriores, sem o mesmo humor negro. Com o aspecto psicológico da personagem em primeiro plano, condutor da vida de Victoria. A condição física dela, por exemplo, é motivo de reflexão permanente, porque foi resultado do que aconteceu duas décadas atrás.
A escrita de Raphael Montes está madura. Principalmente no sentido da robustez da história, em um texto seguro. Ao melhor estilo da sua prosa, ele joga o tempo inteiro com o leitor. Pistas, situações, suspeitos, reflexões de um grande trauma compõem um verdadeiro quebra-cabeças em trinta capítulos sobre quem é o real assassino que voltou para aterrorizar a protagonista e a motivação dele. Todos do entorno de Victoria são suspeitos, e a trama vai conduzindo para ideias que não deixam dúvida sobre quem daqueles é Santiago, até que na página seguinte o leitor perceba que foi enganado. Pistas erradas para confundir. Ingredientes que o autor sabe trabalhar como ninguém.
Mesmo sendo um livro claramente mais maduro, de novas alternativas narrativas, o romance perde muito do seu vigor na terceira metade da obra por esticar demais a história, nos momentos em que ela pedia menos. Um pouco de economia, sem tanta verborragia e de situações que parecem não acabar nunca, resultaria no melhor trabalho de Montes até aqui. Posto que continua ocupado por Dias Perfeitos.
De qualquer forma, o autor soube contar uma boa história, verdadeiro thriller psicológico denso, com várias camadas e sob o ponto de vista feminino, que não soa em momento algum artificial. Uma mulher no escuro se alinha aos romances policiais que o público fiel ao gênero gosta de ler.