Crédito: Lorena MossaPor Ney Anderson
Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora
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Alex Andrade é escritor, nascido no Rio de Janeiro, publicou os romances “Antes que Deus me esqueça” e “Longe dos olhos”; os livros de contos, Poema, Amores, truques e outras versões, As horas. Escreveu para o público infantil os livros A galinha malcriada, A história do menino, O pequeno Hamlet, A menina e a sapatilha e o menino e a chuteira e O gigante. Participou de diversas coletâneas de contos publicadas em revistas e livros. Atualmente, Andrade está trabalhando em seu novo romance.
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O que é literatura?
É a melhor maneira para entender, de certa forma, a vida e seus anseios. Acredito que a literatura está ligada ao mundo, ao que nos rodeia, que nos move, nos orienta e desorienta. A literatura segue o fluxo da imensidão do que somos e do que deixamos de ser, através dela nos enxergamos e observamos o mundo. A literatura tem as façanhas, as manhas, o poder de nos religar ao mais profundo do nosso eu e do desconhecido. É com essa intensidade e verdade, que a literatura abre o seu leque e nos envolve e domina. Para mim, não tem como ser diferente do que é, sem essas classificações e denominações, é essa a literatura que enxergo no que entrego quando me deparo com a minha vontade de enfrentar os medos e os modos, escrevendo.
O que é escrever ficção?
É uma aventura tremenda, mergulhar nas ações da personagem que antes vinha sendo pensada, moldada no subconsciente. Escrever ficção é um grande desafio, pois tira o lugar comum em que estamos e nos faz girar como um caleidoscópio, São tantas as possibilidades e vontades e medos e entregas, são variadas sensações e aprendizados e acidentes. Não é um processo simples, a ficção empurra você além do óbvio e é nesse mergulho que encontro o fio da meada para a realização das histórias. Por fim, escrever ficção é um misto de todas as nossas emoções no encontro com as ideias e fatos.
Vocação, talento, carma, destino…..o escritor é um predestinado a carregar adjetivos que tentam justificar o ofício?
Acredito que carregar adjetivos todos nós somos predestinados. Mas no caso do escritor, entre o carma e o destino, vem antes de tudo, a vontade. A necessidade de se expressar e dividir com o leitor as suas leituras do mundo. Contar uma história é sentir a dor e a delícia de ser, de escrever, por isso, ser um predestinado, talvez não. Mas uma necessidade de dividir tudo o que vem na cabeça com quem nos lê.
Qual o melhor aliado do escritor?
O silêncio e o barulho. O silêncio externo para compor, ouvir as vozes internas, o barulho que ressoa, que nos habita.
É no silêncio que consigo descobrir esses barulhos que preenchem os meus espaços. Então, acredito que o silêncio e o barulho estão de mãos dadas com o escritor para esse processo criativo.
E qual o maior inimigo?
A procrastinação. Tem horas que a folha de papel em branco, a tela do laptop se tornam nosso maior adversário e por consequência, a ausência de ideias. Esse vazio pode acontecer no início, quando a gente tem uma história pensada e na hora de colocar em prática, a coisa não desenvolve. E em outras situações, no meio do processo, quando a coisa emperra. É preciso respeitar esse inimigo, entender o movimento e esperar a hora de derrotá-lo.
Escrever é um ato político? Por qual motivo?
Sim, é um ato, acima de tudo, revolucionário. Em tempos duros, a arte tem sido a nossa salvação. Nesses momentos delicados em que vivemos, o que nos salvou foi a literatura, a música, a arte em sim, todas as formas. E por isso, digo e repito, é revolucionário, é político e é a nossa salvação! O que seria de nós sem os livros escritos, as músicas compostas, a arte criada, a palavra dita e a vírgula, o compasso, as harmonias, a poesia, os símbolos que toda a arte nos empresta? Te garanto, escrever vale muito mais do que uma bala atirada de uma arma. Por isso acredito que um país com mais cultura e educação, vence qualquer ditadura e fascismo.
Quais os aspectos que você leva em conta no momento que começa a escrever?
São tantos! A personagem precisa vir há tempos no silêncio e no barulho da mente, caminhando junto, no mesmo compasso, como uma sombra que vai pouco a pouco nos acompanhando. Esse aspecto de ter uma possível intimidade com a personagem e sua história que será contada, é um dos trunfos para ter a inspiração para começar a desenvolver a trama. São momentos preciosos, desde a ideia que bate, a inspiração que ressoa e o desenrolar dos acontecimentos.
A literatura existe para entendermos o começo, o meio ou fim?
Para entendermos o conjunto, o todo, as nuances, as delicadezas. É nesse ponto que a literatura tem me guiado, quando leio um livro, consigo ampliar todo um sentimento, um olhar, uma observação. É maravilhoso isso! Escrever, ler, imaginar, inspirar, tudo isso forma um conjunto para entendermos que a literatura é vida, é morte e é a continuação, para além do que se pode alcançar. Vai além, instiga, e isso nos dá a noção de que o tempo está na literatura como para a vida.
Se escreve para buscar respostas ou para estimular as dúvidas?
Se escreve para estimular as sensações e as implicações que a vida nos apresenta, se escreve para aliar todos os sentimentos, as certezas e incertezas, as possibilidades e impossibilidades. Se escreve porque é urgente, e tudo isso vem porque vivemos no mundo em que buscamos respostas óbvias e confrontamos com as dúvidas. E antes de encontrarmos essas respostas ou estimularmos essas dúvidas, precisamos viver, experimentar. E é por isso que se escreve, para que o fluxo seja constante.
Criar é tatear no escuro das incertezas?
Em certos casos, sim. O processo criativo leva tempo, perseverança, e necessita, principalmente, de experimentações. Quantas vezes mergulho na criação de uma história e do nada fico boiando feito bolha na água. É de uma intensidade tamanha, e esse processo não cessa. Você acaba um livro e já vem outra ideia de um próximo a frente. Então, tatear no escuro das incertezas talvez seja a minha religião.
Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.
“ É uma história de amor, nada muito especial: duas pessoas constroem, com vontade e inocência, um mundo paralelo que, naturalmente, bem rápido desmorona. É a história de um amor medíocre, juvenil, na qual reconhece sua classe: apartamentos exíguos, meias-verdades, frases de amor automáticas, covardias, fanatismos, ilusões perdidas e depois recuperadas – as bruscas mudanças de destino dos que sobem e descem e não partem nem ficam. Palavras velozes, que antecipam uma revelação que não chega.
Não há mundos paralelos, Daniela sabe disso muito bem. Sobreviveu à mediocridade: estou disposta a tudo, gostava de dizer anos atrás. E era verdade. Estava disposta a tudo, a fazer qualquer coisa, a receber o que quisessem lhe dar, a dizer o que fosse preciso dizer. Estava disposta até mesmo a ouvir sua própria voz dizendo frases que não queria dizer. Mas agora não. Agora não está mais disposta a tudo. Agora é livre.
Julian gostaria que Daniela se lembrasse dele depois de ler seu livro. Mas não. A memória não é nenhum refúgio. Resta apenas o balbucio inconsciente de nomes de ruas que não existem mais. “
A vida privada das árvores – Alejandro Zambra
É possível recriar o silêncio com as palavras? Como?
E como! É possível tanta coisa. Mas há um silêncio que só as palavras conseguem expressar. Acho que além das palavras, há o momento da personagem que consegue expressar esse silêncio. No decorrer da história, a personagem vai mostrando a sua característica, seus símbolos e nesse movimento, proporciona ao autor que consiga através das palavras expressar esse silêncio. Muitos livros demonstram essa possibilidade, quando o leitor está inserido na leitura é possível identificar a proeza do silêncio na história. Eu, como leitor, se estou envolvido por uma trama, consigo perceber essas nuances.
Você acredita que qualquer pessoa pode escrever uma história? Mas, então, o que vai fazer dela escritora, de fato?
Sim, acredito. Acho que todo mundo pode escrever. É um exercício fascinante. E também um aprendizado. Eu sempre digo: quer escrever, comece. O que vai fazer dela uma escritora é a continuidade desse exercício, das pesquisas, das habilidades. É preciso ler muito, experimentar, observar. Acredito que o que faz uma pessoa que goste de escrever se considerar um escritor, seja a experiência, a permanência no ato da escrita e principalmente uma boa ideia. Organizar as ideias e colocá-las no papel, faz parte desse exercício contínuo. Experimente, ouse.
É preciso saber olhar o mundo com os olhos da ficção? O mundo fica melhor ou pior a partir dessa observação?
É preciso apreciar o mundo com os olhos da ficção, mas a realidade nos faz olhar o mundo com mais clareza. E se a ficção nos dá a possibilidade de imaginar um outro olhar para o mundo, que seja ele, bom ou ruim, faz-nos entender que a vida tem todas as possibilidades e o mundo é bem melhor para quem consegue distinguir uma coisa da outra.
Todo texto ficcional, mesmo os mais extensos, acaba sendo apenas um trecho ou fragmento da história geral? Digo, a ficção lança o seu olhar para as esquinas das situações, sendo praticamente impossível se ter uma noção do todo?
Não acredito que todo texto de ficção seja apenas um trecho ou fragmento da história geral, acredito que o que acontece com a ideia argumentada faça parte de um conjunto. Não vejo em uma história, seja longa ou curta, apenas um fragmento, mas sim um enredo que vai se desenvolvendo conforme as situações que vão acontecendo no decorrer dos fatos. É inegável que a ficção envolve o todo, desde os primeiros momentos da narrativa, o meio e o fim, quiçá, o que o leitor pode imaginar além daquilo que apresenta o enredo.
Nesse sentido, uma história nunca tem início, meio e fim?
As histórias tem início, meio, fim e a sua permanência. Acredito que nesse sentido, o leitor, mais aguçado pela perspectiva da leitura, se torna o grande aliado na questão de atuar como coautor das histórias escritas. Clarice Lispector disse uma vez que ao escrever livro, perdia total poder sobre eles, quando eram publicados. Então, acredito que cabe ao leitor exercer seu direito de percepção e entendimento.
Você escolhe os seus temas ou é escolhido por eles?
Geralmente sou capturado por eles.
É necessário buscar formas de expressão cada vez menos sujeitas ao cânone, desafiando a língua, tornando-a mais “suja”, para se aproximar cada vez mais da verossimilhança que a história pede? Ou seja, escrever cada vez “pior”, longe da superficialidade de escrever “certinho”, como disse Cortázar, talvez na tentativa de fugir da armadilha do estilo único?
Acho que é necessário escrever acima de tudo. É dessa forma que acredito que as histórias alcançam o leitor, quando se põe alma e verdade naquilo que você quer contar.
Quando é que um escritor atinge a maturidade?
Quando ele percebe exatamente que não deve seguir o rebanho, e escrever da forma e com a alma que lhe foi entregue.
O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?
No exato instante que ele é sequestrado pela ideia apresentada no texto. Desse momento em diante seguimos lado a lado pelos rumos da história que nos é apresentada.
Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?
São Tantos! Eu levaria todos da Clarice, do Pessoa, do García Marques, da Lygia Fagundes, do Machado, mas como tenho que escolher apenas um, seria:
Memórias póstumas de Brás Cuba – Machado de Assis
Qual a sua angústia criadora?
Revirar os pensamentos, ficar noites em claro, reler, ler, apagar, flutuar com as personagens no vazio dessa imensidão que é a literatura e escrever sempre, com medo, com coragem, com vontade de que as histórias possam alcançar as pessoas e a eternidade.