Crédito das fotos: André de Toledo Sader

Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

 

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Andréa del Fuego é escritora, formada em Filosofia pela USP. Autora de nove livros entre contos, infantis e o romance Os Malaquias (vencedor do Prêmio José Saramago) publicado em Israel, Alemanha, Itália, França, Romênia, Suécia, Kwait, Portugal e Argentina. Ministra oficinas de escrita literária e atualmente é mestranda na Filosofia (USP).

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O que é literatura?

Repito Santo Agostinho trocando o tempo pela literatura: se ninguém me perguntar eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. São tantas definições e nenhuma, usufruímos das teorias provisórias.

O que é escrever ficção?

Lançar-se em mar aberto. Há um estado de escrita (não é graça, nem maldição) que desenvolve uma concentração muito especial que culmina (pode ou não acontecer) numa voz literária.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Toda fala é política, também é possível, mesmo situados na história, fabular outras configurações de mundo, sem legendar o mundo, apenas descrevendo a tensão de estar nele.

Para além do aspecto do ofício, a literatura, de forma geral, representa o quê para você?

Liberdade, ainda que situada.

O escritor é aquela pessoa que vê o mundo por ângulos diferentes. Mesmo criando, por vezes, com base no real, é outra coisa que surge na escrita ficcional. A ficção, então, pode ser entendida com uma extensão da realidade? Um mundo paralelo?

Uma extensão da realidade, sem dúvida. Mesmo os dragões encontram existência no real, obedecem leis físicas para o seu voo, por exemplo.

Quando você está prestes a começar uma nova história, quais os sentimentos e sensações que te invadem?

Um novelo cheio de nós, cheio de começos possíveis. Vou afrouxando a linha, escrevendo e entendendo o que a narrativa pede que eu execute.

A leitura de outros autores é algo que influencia bastante o início da carreira do escritor. No seu caso, a influência partiu dos livros ou de algo externo, de situações cotidianas, que te despertaram o interesse para a escrita?

Quase sempre escrevi com fatos da própria vida, um dos fatos da vida é a leitura, não há separação vida e mundo. A leitura é fundamental para o ritmo, educar a sensibilidade para as notas de um texto e reconhecer como elas se dão.

Você escreve para tentar entender melhor o que conhece ou é justamente o contrário? A sua busca é pelo desconhecido?

Pelo desconhecido, pois a escrita também é forma de conhecimento. Pode-se falar sobre autoconhecimento e é exatamente aí que esbarramos em outros mundos interiores, esbarramos numa impessoalidade onde estão os outros.

O que mais te empolga no momento da escrita? A criação de personagens, diálogos, cenas, cenários, narradores….etc?

O que me empolga é justamente o fato de esses elementos todos darem-se num único bloco: voz, personagem, narrador, cenário, figurino, ritmo.

Um personagem bem construído é capaz de segurar um texto ruim?

Se a personagem está bem construída, o texto não é ruim. Ou não está totalmente moldada e articulada.

Entre tantas coisas importantes e necessárias em um texto literário, na sua produção, o que não pode deixar de existir?

A voz literária que, no meu caso, muda totalmente de um livro para o outro. Não pode faltar essa busca, é a partir dela que o texto se desenrola.

Nesse tempo de pandemia, de tantas mortes, qual o significado que a escrita literária tem?

Uma respiração, uma pausa que vai além do valor literário como fruição estética, mas como vivência da escrita, uma experiência que honra a vida.

No Brasil, o ofício do escritor é tido quase com um passatempo por outras pessoas. Será que um dia essa realidade vai mudar? Existem respostas lógicas para esse questionamento eterno?

Nunca vi tantas pessoas escrevendo literatura como agora. Não só as pessoas se autorizam a escrever, como a ler, vemos isso nos canais de leitura em blogues e no Youtube. No mais, a ideia do escritor, em qualquer tempo e lugar, é de uma pessoa que está mais atenta aos passos do mundo, na pulsação humana que ele usa como tinta numa tela. Talvez por isso a ideia de alguém que não está, de fato, presente na vida com suas contingências como boleto, saúde, filhos, etc.

A imaginação, o impulso, a invenção, a inquietação, a técnica. Como domar tudo isso?

Tirando a técnica que é algo que se apreende depois de muita repetição e diz respeito mais ao nível de comprometimento com o texto, todo o resto não é possível domesticar, esse campo é puramente selvagem.

O inconsciente, o acaso, a dúvida…o que mais faz parte da rotina do criador?

Faz parte descobrir outros inconscientes, o ótico, o tátil, o dos outros, sempre a partir do próprio. Uma nuvem tocando outra, fazendo tempestade.

O que difere um texto sofisticado de um texto medíocre?

Quando nem um critério, nem outro, se sobressai.

O leitor torna-se cúmplice do escritor em qual momento?

No momento íntimo da leitura, já que o livro se transforma em partitura do pensamento no ato da leitura.

O leitor ideal existe?

Não. Nem leitor, nem autor.

O simples e o sofisticado podem (e devem) caminhar juntos?

Tanto o simples quanto o sofisticado podem ser uma afetação. Devem, ambos, se afastarem da fruição como um critério. A literatura viva tem algo a ser apreendido e cada leitor o faz a seu tempo e numa determinada obra. O paladar é múltiplo, assim como os repertórios de cada leitor.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar:

(…) já me sobe uma nova onda, já me queima uma nova chama, já sinto ímpetos de empalar teus santos, de varar teus anjos tenros, de dar uma dentada no coração de Cristo!

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

Se a espaçonave sair hoje: Cem anos de solidão.

Qual a sua angústia criadora?

Encontrar a voz  literária em cada livro que inicio.

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