Crédito das fotos: Vinicius Xavier

Por Ney Anderson

Em homenagem aos 10 anos do Angústia Criadora, escritores de todo o país falaram com exclusividade ao site sobre literatura, processo criativo, a importância da escrita ficcional para o mundo e para a vida e diversos outros assuntos. Leia a entrevista a seguir com o convidado de hoje. Divulgue nas suas redes sociais. Acompanhe o Angústia Criadora também no Instagram: @angustiacriadora e Facebook: https://facebook.com/AngustiaCriadora

 

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Paulo Bono, é natural de Salvador (Bahia), é redator publicitário, escritor e roteirista. Autor de Espalitando (Conto e crônicas, 2013) e Sexy Ugly [Novela, 2019]. Participou também das antologias Casa de Orates [Contos, 2016] e Soteropolitanos [Contos, 2020].

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O que é literatura?

Uma arte. Uma puta arte de brincar com as palavras pra contar histórias, expressar sentimentos, expor uma visão de mundo, traduzir uma época, entreter, confundi, jogar leite na cara dos caretas, essas coisas.

O que é escrever ficção?

Acho que é a melhor forma de explicar ou recontar a realidade. Anda bem difícil nesses tempos.

Escrever é um ato político? Por qual motivo?

Como tudo, acho que banalizaram o conceito de ato político. Tudo agora é ato político. Abra o Facebook e verá pessoas dizendo que trocar uma lâmpada é um ato político. Mas é só um meme. Apenas repetem o clichê anexando o que elas fazem só pra dar uma coçadinha na própria vaidade. Claro que qualquer gesto pode significar uma mensagem. A simples atitude de sair ou não de casa hoje já diz muito. Acredito que essa coisa do ato político passe pela consciência, pelo propósito do que se faz. Falo por mim. Já escrevi com algumas intenções e outras vezes só joguei no papel histórias sem pretensão alguma. Mas nunca escrevi me sentindo um guerrilheiro segurando uma bandeira. Longe disso.

Você escreve para oferecer o quê ao mundo?

Nada de muito especial. De verdade, quando escrevo não penso que estou oferecendo nada ao mundo. Escrevo pra tirar aquilo da minha cabeça. Uma vez escrito, espero que as pessoas se divirtam ou viajem no que viajei. Podem ignorar também. Faz parte.

O que pretende tocar com a palavra literária, com a ficção?

A ficção é o melhor jeito de explicar a realidade. A gente consegue manipular o tempo, atravessar paredes, dar alguns closes, acentuar os verbos e, sobretudo, jogar com os ângulos. Se existe uma pretensão é essa, olhar a realidade por ângulos diferentes.

Um mundo forjado em palavras. Se o tempo atual pudesse ser resumido no título de um livro, seja ele hipotético ou não, qual seria?

2020 foi um ano ruim.

A incompletude faz parte do trabalho do ficcionista? No sentido de que nunca determinado conto, novela ou romance, estará totalmente finalizado?

Verdade. Se ficar relendo todo dia não finaliza nunca. Você sempre quer mexer alguma coisa. Mas não tem isso de incompletude. A maioria das vezes é só punhetagem mesmo.

Qual o pacto que deve ser feito entre o escritor e a história que ele está escrevendo?

Ser verdadeiro. Ser verdadeiro com as palavras, ser verdadeiro com a história, ser verdadeiro com a ficção, ser verdadeiro com os personagens. Ser verdadeiro da primeira à última palavra.

O que pode determinar, do ponto de vista criativo, o êxito e o fracasso de uma obra literária?

É como na resposta anterior. Uma obra artificial que falsifica as palavras e sentimentos, que julga seus personagens, que imita, omite ou maquia tem tudo pra fracassar. Já uma escrita verdadeira tem alguma chance.

Como surgiu em você o primeiro impulsivo criativo?

Na época da escola eu sempre assumia os trabalhos que tinha de inventar alguma narrativa. Além disso, são 20 anos como redator publicitário. Então sempre tive que usar a criatividade pra vender os peixes. Sobre ficção, um dia encontrei o lance dos blogs e descobri que podia contar histórias que eu não podia escrever no trabalho.

As suas leituras acontecem a partir de quais interesses?

Sou um leitor tardio. Passei a ler por prazer de verdade por volta dos 18 anos. Então corro atrás do tempo perdido. Procuro as influências dos meus autores favoritos ou peço dicas aos amigos de “livros que eu tenho que ler”. Mas geralmente me interesso por histórias urbanas, realistas, bem-humoradas e com alguma melancolia.

Escrever e ler são partes indissociáveis do mesmo processo de criação. Como equilibrar o desejo de ler com o de escrever?

Questão de arranjar tempo e criar essa rotina. Às vezes é difícil pra mim. Tem dias que só escrevo e não consigo ler. Outros dias é o contrário. Se alguém tiver uma manha aí, eu quero.

Um escritor é escritor 24 horas por dia? É, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição?

Minha família costuma me chamar de lerdo porque acontece isso. Estou num lugar, mas ao mesmo tempo não estou. Posso estar num casamento, num funeral, lavando prato ou até assistindo um filme e sempre me perco pensando em histórias e personagens. Não tem nada de benção ou maldição. Não há nada de especial. A gente é o que é. Mas se o escritor é escritor 24h por dia, tento não ser. Gosto de estar com minha família, gosto de não pensar em nada. Gosto de ficar de bobeira coçando o saco.

O crítico Harold Bloom falava sobre o fantasma da influência. Você lida bem com isso?

Dias sim, dias não. De um modo geral não vejo problema em trocar figurinhas com minhas influências. Faz parte do jogo. A literatura é uma casa cheia de fantasmas. Mas sim, tem dias que acordo preocupado em encontrar a tal famosa “própria voz”. São os dias mais assustadores.

O escritor sempre está tentando escrever a obra perfeita?

Acredito que os bons artistas querem fazer a melhor obra possível.

Como Flaubert disse certa vez, escrever é uma maneira de viver?

Tanto quanto levantar uma parede ou consertar um motor.

Quando você chega na conclusão de que alcançou o objetivo na escrita (na conclusão) da sua história? 

Quando começo uma história já sei onde quero chegar, já tenho um final na cabeça. Então fica mais fácil. Depois releio e reescrevo algumas vezes para limpar os excessos. E abraço. Melhor não olhar mais senão não termina nunca.

A literatura precisa do caos para existir?

Precisa de bagagem.

O escritor é um eterno inconformado com a vida?

Vejo muita romantização nessa coisa de “eterno inconformado”. Não acho que escritores sejam necessariamente heróis inconformados ou atormentados que precisam recontar a vida. Há grandes artistas por aí, pessoas conformadas, ou melhor, que apenas sacaram que a vida é simples criam grandes histórias.

Cite um trecho de alguma obra que te marcou profundamente.

“Havia um gatinho branco com as costas voltadas para o canto do muro. Não podia subir pelos tijolos nem fugir pra outra direção. Suas costas estavam arqueadas e ele bufava, as garrafas prontas. No entanto, era pequeno demais para dar conta do buldogue de Chuck e Barney, que rosnava e se aproximava mais e mais. Tive a impressão que que aquele gato havia sido colocado ali pelos garotos (…) Aquele gato não enfrentava apenas o buldogue, ele enfrentava a Humanidade inteira”.  (Misto Quente – Charles Bukowski)

Apenas um livro para livrá-lo do fim do mundo em uma espaçonave. O seu livro inesquecível. Qual seria?

O Capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio, de Charles Bukowski.

 Qual a sua angústia criadora?

Conseguir botar no papel todas as merdas que eu penso.

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